sábado, 7 de outubro de 2017

NA PRAÇA SAENS PEÑA: COMPRANDO LIVROS

                                                

                                                        Cunha e Silva Filho



         Hoje, sábado,  foi dia de feira do livro  na Praça Saens Peña. Muita gente para lá e para cá  numa calçada cuidando do seus  interesses, ou fazendo  compras ou por mero  passatempo.  No meio da calçada que dá para a Praça, um mundaréu  de camelôs vindos de muitos bairros, sobretudo da periferia, dos subúrbios. Os dias comuns  já são cheios de gente. Dirigi-me,  com minha mulher e meu filho mais novo, a uma farmácia,  a mais procurada e que tem, naquele entorno,  umas quatro  filiais. Parece que todo mundo  está doente, sobretudo os mais idosos.
       Os remédios estão caríssimos. Desconfio de  que muita gente deixa de comprá-los porque  não têm condições financeiras mesmo. Estão escasseando os remédios  com preços mais   baratos.  Vão tomando  somente os remédios mais vitais,  como  os de pressão alta,  os de diabetes, os remédios contra dores da coluna  e outras  dores que acometem  os  que estão na faixa  do que se convencionou chamar de terceira idade. Não gosto dessa expressão. Prefiro  que  me chamem de idoso.
       Mas,  não é por essa razão  que as pessoas vão  também  às farmácias. Vão porque elas oferecem  produtos de beleza, xampus, desodorantes, remédios que podem ser vendidos sem receita,  enfim,  um  infinidade de itens  de que necessitam  mulheres, homens e crianças.
      Encaminhamo-nos, depois,  ao centro da Praça. Logo avistei as barracas de livros usados, os chamados sebos. Quase não havia  compradores. Um grupo maior de gente  estava   se divertindo  com a exposição de animais  para doações, gatinhos e cães. Todos, em geral, muito fofos, sobretudo os gatinhos,  a atração maior, particularmente,   das senhoras, senhores,  jovens e crianças. Em suas “jaulinhas’ gatinhos, com os olhinhos verdes ou azuis e pelos  de cores variadas, junto dos cãezinhos,  fazem a festa   dos visitantes anônimos.
     Estes, fazendo-lhes  carinhos, conversando afetuosamente com eles,  neles tocando,  mostram esse lado  profundamente humano que  os adultos e crianças   devotam  aos animaizinhos de estimação,  aos  pet, palavra inglesa  muito empregado para designar   esse bichinhos. Nada contra os americanismos incorporados ao vernáculo. A língua  é dinâmica  e deve ser  democrática, porém sem  interferências  sintáticas. Poucas pessoas   os levam para casa como adoção. Alguns são até devolvidos   de vez que não se adaptaram  aos donos ou por uma outra  razão pessoal
       Reparei que não havia  guardas municipais nem vi polícia militar   fazendo alguma  ronda  na Praça,  onde, com frequência,  senhoras, sobretudo idosas,  são vítimas de  menores   assaltantes, os conhecidos pivetes.  Todos eles com os  olhos vidrados nas bolsas e joias  das mulheres, celulares  dos jovens “Pega ladrão” já virou  um bordão.” Desculpe-me pela rima  involuntária. A Tijuca é meio cercada por  favelas, sem os eufemismos  politicamente corretos e detestáveis, já que podem  encobri subjetivismos  hipócritas.  
       Depois de olharmos  os bichinhos,  fui ver de perto alguns livros da pequena  feira. Livros bem baratos, outros nem tanto. Às vezes, leitor, me dá uma  repentina angústia  de ver tanto livro. Há livros demais no mundo e o sentimento de impotência de nunca poder  lê-los  todos me deixa para baixo.   Olhei para muitos  que desejei  comprar. Passei para outras   barracas. Cada uma, em geral,  representa um livraria  da cidade.
     Sempre encontramos  bons livros antigos ou menos antigos numa feirinha.  Olhei, olhei, olhei até que dois  me   prenderam a atenção dado que o gênero nos quais foram  escritos  sempre me interessou: ensaio literário e biografia. No caso,  o ensaio e a biografia são referentes ao mesmo  escritor: Machado de Assis (1839-1908). Sempre o Machado, louvado ou criticado,  escritor  inesgotável, no país e no exterior,  nos filões de seus temas e nas formas  de abordagens  de sua  obra. Os autores: Fábio Lucas, do ensaio  que nem mesmo  havia lido, O núcleo e a periferia de Machado de Assis (Barueri, SP.: Editora Manoele,  2009,  166 p.).
     Lucas é um ensaísta e crítico a quem muito  estimo pelo seu estilo  claro  e ao mesmo tempo   profundo com que  trata  questões de  literatura brasileira e temas de teoria literária. Li boa parte de seus livros. O outro livro é de um autor  mais antigo, Gondin da Fonseca, o qual tem por título  Machado de Assis e o hipopótamo. (6ª ed. Rio de Janeiro: Livraria São 1974,  326 p.).
      Gondin da Fonseca (1899-1977) foi  escritor,  jornalista,    biógrafo  e historiador. Nasceu e morreu no Rio de Janeiro. A obra dele que hoje comprei na feirinha de livro  foi bastante lida e elogiada por  gente  da importância de Astrojildo Pereira (1890-1965)), crítico de orientação marxista. De resto  esse crítico eu o li muito na velha revista O Cruzeiro. Lá ele assinava  uma coluna de cujo nome não me recordo agora.  
       Segundo leio na primeira orelha do livro, a citada obra de  Gondin foi  muito bem vendida, mas, estranhamente,  não  teve  a repercussão no país  por parte da crítica  especializada. Por outro lado, se aqui não foi  tão  incensada,  o foi no exterior,  como em Portugal e na Espanha,   países em que recebeu boa acolhida da crítica. O exemplar que comprei  não teve  leitores,  pois ainda  tem algumas  páginas  fechadas, o que significa que não foi lido por ninguém. Para minha alegria, serei o  primeiro leitor dessa obra do biógrafo.
       Diante desse silêncio da crítica, no que tange  à biografia de Gondin da Fonseca,  fui procurar, na extensa  relação de  bibliografia passiva  machadiana, na   utilíssima Pequena  bibliografia  crítica da literatura brasileira de Otto Maria Carpeaux (Rio de Janeiro: Ediouro, s.d., com um apêndice de Assis Brasil, incluindo 40 novos autores) 470 p.) a citação do livro de Gondin. Salvo engano,  não a encontrei. Por que – pergunto – essa omissão de uma obra que teve,  novamente salvo engano,  seis edições com vendas “normais” de  quarenta mil exemplares?!
      Na referida  orelha da biografia  de Machado de Assis  escrita por  Gondin, o autor informa  que   o biógrafo não era dado a “badalações.” Não se exibia nem  dava sinal de  sentir o  prazer  do sucesso como tanto se vê sobretudo  hoje em dia entre autores. Um temperamento assim  explica  de alguma forma  o afastamento  de um livro ou é porque   houve a intenção  de  lhe  abafar a obra sobre o Bruxo do Cosme Velho? Resta pesquisar.
       Como eu mesmo  ainda não li  a obra de Gondin,  essas indagações  têm apenas um caráter   preliminar sobre o assunto  que fala  tão de  perto  do destino   dos livros de alguns  autores e do silêncio sepulcral  que pesa sobre a sua  pessoa literária. O destino do livro,  em relação à crítica,   é tema  polêmico e  cheio de   nebulosidades  tanto da parte do  universo editorial, quanto da parte  dos críticos, da história literária  e da produção   literária  de um país.
       

        

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