segunda-feira, 3 de outubro de 2016

"ATO DE BIBLIOCLASTIA ": MEU REPÚDIO





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                                                                           Cunha e Silva Filho


            Senti  calafrios  ao ler uma reportagem  no Segundo Caderno  do  GloboProsa & Verso (sábado, 01/10/2016) Acredito que  outros leitores tenham  sentido  também  algum incômodo com  o assunto  da matéria.
          O impacto da matéria  tratada se deve ao anúncio da editora Cosaf & Naif  de que está saindo  do mercado de livros. Fechou as portas e, ao fazê-lo, terá  que  saber  o que  vai  fazer com  os chamados  encalhes,  livros que foram  bem vendidos e cujo destino,  segundo   a editora,  será  o que  normalmente, no campo  editorial,  se faz: queimam-se  os estoques dos worst-sellers, expressão  usada  por um ensaísta da Venezuela,  Fernando  Baéz,  que é um estudioso  de situações   de encalhe de livros  como a da Cosaf  & Naif e de outras editoras..
        Fernando Baéz, que igualmente  empregou   a expressão  “Ato de Biblioclastia,”  da qual me servi  para título deste artigo,  é um escritor  já conhecido  pelas denúncias  que fizera   a propósito  da destruição  de “10 milhões de  documentos históricos e culturais durante a Guerra do Iraque.” Segundo a reportagem do Globo,  esse  escritor, em 2010,  publicou   uma obra  de título  bem  definidor e alusivo  a esta situação  anômala  por que  passa  o mundo  editorial   no que concerne ao destino  dos livros que se tornam  encalhes. A obra tem por título  A história  universal da destruição dos livros (Ediouro)
      Chega a causar  “dor “ a todos nós  que, por amarmos   os livros, a leitura,   nos  defrontamos   com  a tristeza de que  os livros  que não  têm boa aceitação  do público são comparados a lixo e merecedores de se tornarem   material  para  papel reciclado. O pior é que, consoante os editores, esta prática é legal (sic!). Legal,  mas não  moral, acrescentaria.
     Não sou  um especialista em  editoração  nem entendo do riscado dos bastidores  da vida  da editoras e  das livrarias. No entanto,  o que me  causa espécie   é que, num país como o nosso, com ainda enorme carência de boas  bibliotecas públicas,  ao contrário da Argentina,  que,  há algum tempo, se dizia  que só em Buenos Aires   havia mais bibliotecas do que no Brasil, aconteçam   coisas desse tipo.
      Não sei  se o procedimento  relativo aos encalhes  deveria ser como   é. Só tenho a certeza  de que haverá outras formas de se mudarem  tal procedimento, o qual, vou forçar uma imagem dura, me lembra um certo  obscurantismo  dos tempos da Inquisição, ou dos  lúgubres  e apocalípticos  tempos  da nazismo em que livros eram queimados  por não  se enquadrarem  na ideologia  nazifascista.
      Queimar livros, aqui no  país,  é algo  que  machuca os  bibliófilos, os bookworms,   os leitores compulsivos, os amantes  da cultura. Queimar livros, para mim,  se afigura um crime  amparado  por lei, uma insensatez, uma prática  indecorosaautoritária.
       Eu perguntaria simplesmente  por que os editores não pensaram  duas  vezes antes de bancarem alguns  livros que não teriam sucesso de  venda? Por que o governo federal  não  formularia   um programa  de assistência aos encalhes,   fazendo com que  os milhares de livros fossem  distribuídos  pelo país afora? 
        Por que não se facilitariam mecanismos,  através dos órgãos  governamentais,  municipais, estaduais e federais,  a fim de que  pudessem,  organizadamente,   fazer  doações a bibliotecas, ou mesmo  criar  novas formas  de  bibliotecas  volantes   que dariam   oportunidade a tantos  brasileiros  amantes da leitura  e que não podem  comprar  livros  de bons autores   que, por um ou outro  motivo,  não foram sucesso  de livraria,  como ocorre com os best-sellers estrangeiros, sempre mais  vendidos do que os livros de autores brasileiros?
       Ora,  tudo  o que está     no mercado  de livros e na publicação de  obras   não necessitaria  de   ser queimado,   tratado como   um refugo   quando  tantos  leitores,  repito,   estão  ávidos   para   adquirem  tantos   encalhes.
      Temos muitas  bibliotecas de universidades  públicas  e muitas de universidades privadas que poderiam abrigar  e receber esses milhares de livros chamados  pejorativamente  de encalhes. Nenhum autor merece ser tratado dessa maneira. É um despropósito  convivermos  com  práticas  desta natureza.
         Os livros e seus autores merecem respeito e consideração. Enquanto editoras tratarem  o livro só  visando ao lucro sem limites – e o livro no país está muitíssimo  caro,  inclusive os livros usados, os chamados  sebos -  quem sofrerá  primeiro  será o leitor  de poucos recursos e,  em segundo lugar,  os autores.
        Diante dessa triste realidade  que vivemos  no país,  torna-se  imperativo  que  o governo federal, através  das políticas  públicas, cuide de  urgentemente mudar  essa situação    ultrajante  por que  passam  autores, livros e leitores. Ao maltratarem  assim  nossos  livros e autores,  o país  está dando  mostras  de  tremendo retrocesso cultural  com  consequências    dramáticas  para o desenvolvimento  geral de nossos  bens   imateriais, produto de  nossa   inteligência e de nossa criatividade.

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