segunda-feira, 31 de agosto de 2015

Refletindo um pouco sobre a desistência de ser escritor







                                   

        Cunha  e Silva Filho


      Um amigo, arguto ensaísta e leitor  voraz (sou testemunha de sua  grande  capacidade  de ler muito e continuadamente), nascido, na Bahia, conversando comigo  pelo  telefone sobre literatura,   projetos de escritor,  vida de escritor,  subitamente  comentou  que um seu  colega ou amigo  havia desistido da literatura. Ficara  decepcionado,   desestimulado,  triste, enfim,  com   os grandes  espinhos que  pontilham  a travessia  de quem  se decide a ser  escritor no  Brasil.
      O amigo,  antes tão  entusiasmado com  a vida literária,  com  toda a sua  longa  quilometragem de leituras,  de  dedicação  à área,  finalmente  deu um adeus, não às armas, mas  às letras. Adeus definitivo,  não sei, mas adeus. Foi  o que meu amigo  ensaísta  me contou.
      Estranho essa atitude que,  por vezes,  ocorre a quem escreve e deixa a caminhada  beletrista  no meio do caminho ou até mesmo no  início do caminho. As razões que o levaram a  tomar  esta  decisão não sei quais foram.Tampouco sei se foram  informadas ao meu  amigo ensaísta.
    Um ato  extremo  desses me leva a procurar  os fundamentos  da decisão drástica. Na história da literatura  brasileira,   não são muitos os que  desistem  da vida de escritor,  ou seja,  da vontade  de continuar produzindo independente de ser ou não aceito  pela crítica e pelo  público. Tomemos  o exemplo de Raduan Nassar,  o  consagrado autor de Lavoura arcaica (romance,1975), Um copo de cólera (novela,1978) e Menina a caminho (1994). 
    O  escritor não mais  escreveu.. Preferiu  outra atividade  alheia à criação  artística. Ressalta encarecer que  esse   ficcionista foi  muito premiado, traduzido para outras línguas, ou seja,  tinha tudo para dar continuidade à sua produção. Preferiu, no entanto, abandonar a literatura,  a celebridade, para morar num sítio de sua cidade  natal, Pindoroma, São Paulo, onde nasceu em  1935 e, em seguida,  fixar residência  em Buri, interior de São Paulo. 
    Entretanto,   o tema me instiga a aprofundar  minhas  reflexões, quer dizer,  o que  na realidade  leva  um  escritor a mudar  o rumo  de uma  atividade criativa, seja na  poesia, seja na ficção,  seja  no teatro?  Creio que  isso mais acontece no campo da literatura, mas não tenho  conhecimento de que   essa ruptura com a arte da palavra se dê também  em outros campos da vida  artística,  na escultura,   pintura,    na dança,  na música, na arte cênica,  no cinema.
  Vou arriscar algumas razões de uma  decisão  deste  porte. Uma delas seria  o desestímulo de que se vê cercado  o escritor, querendo afirmar com isso  que este precisa, como qualquer outro artista ou mesmo  indivíduos  de outras  profissões, de reconhecimento,  de  ter alguma  certeza de que  sua obra  é válida, tem  qualidades, merece ser  lida. A não-constatação  disso talvez seja um dos motivos básicos  que  conduzam  o autor a desistir de si mesmo  como  personalidade artística, e a de  seguir outro  curso  de vida  produtiva.
   Uma segunda razão é a competitividade que, hoje mais do que antigamente, enfrenta  um  escritor na sua  área de  produção. Competitividade - diga-se melhor -,   em virtude de  que no  mundo de hoje o número de escritores em todos os gêneros,  aumentou   assombrosamente, com o agravante de que, no exemplo dos ficcionista,    os ensaísta, críticos e teóricos, também  se enveredam pelo universo ficcionistas. Ora, esta situação aumenta ainda mais o número  de escritores não só  no país mas no  mundo inteiro.Tem-se a impressão  de que todo mundo  quer ser  ficcionista, sobretudo  os  já  possuem grande visibilidade  no seu campo  específico não-ficcional. Vasto é o  mundo, diria  Carlos Drummond de Andrade( 1902-1987)), e  o  escritor  espantado com  esse cenário regional,  nacional e mundial  se sente  diminuto,  impotente, como se fora  um pingo de areia no  oceano  da imaginação  criadora.  
    Em geral,  pode-se  adiantar,   ensaísta e teóricos podem  produzir  obra  ficcional que não vingam,  porque, muitas vezes,  não passam de   projetos   fertilizados  com arcabouço  teórico,  numa   estratégia  bem diferente  dos  escritores  de talento  indiscutível. Há quem  possa  apresentar  argumentos  até fortes,  como, por exemplo,  Machado de Assis (1839-1908)).Contudo,  se a crítica  que escreveu  Machado  é boa, ele  não se  distinguiu soberanamente  neste gênero, nem tampouco  na grande  poesia,  mas na ficção apenas, que o consagrou  até nosso  dias. 
   Uma outra razão da desistência  está  vinculada  diretamente ao mercado  editorial,  aos  interesses  do lucro, às acomodações  que se obrigam  a fazer  os escritores sem   público e sem  nome. Diante disso,  como  enfrentar  os obstáculos  vários do mundo  da publicação,  das editoras  que necessitam de vender seus  estoques e,  portanto,   se sustentam  e se mantêm  com o indispensável   sucesso dos livros que lhes passaram  pelo crivo,  quer subjetivo,  quer  objetivo,  de seus editores?   
   Quem apostaria num desconhecido  ainda que   tivesse  valor  a sua obra?  A não ser nos  casos  de autores  consagrados nos seus diversos  gêneros (aqui  incluindo  até os chamados grandes  poetas), os quais   têm ainda  fácil  acesso  a republicações de suas obras, que espaço  teriam  os  anônimos e numerosos  escritores  de todos os gêneros  com seu  livros encalhados  e sem perspectivas  de um  salto para o   reconhecimento.
  É nesse  ponto que vejo  mais um   motivo da desistência.Todavia,   alguns teimosos,  novos  ou velhos, continuam  resistindo  aos  solavancos  da  indiferença  pela suas obras,  pelos seus  possíveis méritos.Na minha  opinião,  são verdadeiros  heróis na adversidade   de seus ideais. Não os  reprovo  por serem assim. Afinal,  eles ainda  acreditam que, a despeito de tudo, persistem como  Sísifos na vida literária,  ainda que de certa forma  anônima.

   A dificuldade de ser bem  acolhido, os óbices para ser editado, o gigantismo da competição,   a indiferença  dos editores,  o cansaço  que  faz parte da vida de quem escreve,  os gastos com   as compra de livros  novos  para atualização, entre outros fatores de  desestímulos, concorrem  seriamente  para que alguns desistam  da vida  de escritor e se encaminhem  para o isolamento  coberto de    frustrações  e   mágoas.

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