quarta-feira, 15 de abril de 2015

Minha formação (7)

                                                                                    [.....]
          Mas eu, que sempre te segui os passos
          Sei que cruz infernal prendeu-te os braços
          E o teu suspiro com foi profundo!
                           CRUZ E SOUSA*
                                                                                                                              "
      
                                                         Cunha e Silva Filho


   UM ANO DIFÍCIL: 1964 Tendo chegado  ao Rio quase no final de fevereiro de 1964, poucos dias  da minha permanência na cidade,  estourou  o golpe militar em 31 de março. Eu estava de volta do curso à noite na  Senador Dantas e, a pé,   em  direção à   Central do Brasil a fim  de  tomar o trem pra  Oswaldo Cruz. Havia um ar diferente naquele dia. Durante o meu  percurso até à Central percebi que algo  estava  errado. Pessoas  falavam   alto,  discutiam, gesticulavam. Vi movimentos de soldados  da Polícia Militar,  do Exército, todos bem armados passarem  por ruas do Centro da cidade.
        Ao chegar à Estação, tive uma surpresa  desagradável: o serviço de trens estava interrompido. Só tinha uns trocados pra tomar  o trem,  os quais  não davam pra comprar a passagem de ônibus. O que seria de mim?, me perguntei. Estava  apavorado. Foi, então,  que perguntei  a um  transeunte em frente à Central por que os trens estavam parados. Ele, um senhor  idoso,  me respondeu que era porque os militares tomaram  o poder no Brasil.
         Aquela noite de 31 de março iria passar em claro, sentado a um batente de uma das entradas da Estação. Ficara com  vergonha de pedir a alguém  que me conseguisse uma quantia pra tomar o ônibus que me deixaria  em Oswaldo Cruz. No dia seguinte, sem dormir -  une  nuit à la belle étoile - me animei com  raro  esforço a pedir a alguém  o dinheiro pra voltar  pra casa. Ao entrar na casa  de meu tio, após bater no portão,  ele, com ar apavorado e condenatório, me  disse: "Garoto,  o que houve? Você  não deu notícia alguma. Onde dormiu? Lhe contei tudo. Era apenas um  jovem  garoto de dezoito anos,  ingênuo e inexperiente na grande  cidade de São Sebastião. 
       Aos dezoito anos,  nunca  fora um jovem dado a questões  políticas,  à militância geralmente da ala esquerdista, como tantos jovens mesmo  mais novos do que eu e entre os quais  tive grandes amigos, como  sobretudo  o jovem  Dirceu, sobre o qual  ainda tecerei comentários nestas anotações.  Costumo  afirmar que a minha grande militância, no tempo  da ditadura militar, era com a sobrevivência,  o ganha-pão, com os estudos, não que fosse um absenteísta, ou um  jovem que pudesse ser  tachado de  direitista  ou a favor do Estado  autoritário  que se implantou no país  de 1964 a 1985.     
    Contudo,   noção  de que o país  estava  em situação de impasse  político não me era  novidade,  uma vez que o Olavo, secretário de um deputado  federal do MDB que meu pai havia conhecido em Teresina, me arranjara para estagiar no conceituado  jornal Diário de Notícias. Ora, que melhor lugar para se ouvir  falar em política do que a redação  de um jornal? 
   Me lembro bem de parte de um bilhete que o Olavo   me pediu que levasse até ao chefe de redação daquele   jornal, que ficava na Rua Riachuelo, Centro. Era um  prédio robusto,  em cuja fachada havia,   acima  da larga porta principal, o nome  do jornal em destaque.  Parte do bilhete  ao redator-chefe  tinha o seguinte teor: "O portador  deste é um jovem filho de um amigo meu do Piauí.  Ele tem  regular cultura geral e alguma experiência em redação, pois colabora  esporadicamente  pra jornal  em Teresina.Veja o que pode fazer por ele."  
       Obviamente,  o Olavo  era conhecido do  chefe da redação. Este me recebeu  solícito, educado e me encaminhou para uma  outra seção pedindo-me que levasse um bilhete a um jornalista,  seguramente o  responsável por estagiários  do periódico. Li o bilhete antes de entregá-lo à pessoa  indicada: “Por favor,  inicie  o jovem portador deste no estágio  e comece a lhe pedir  tarefas  “suaves.”  
      No dia seguinte,  lá estava eu na redação do Diário de Notícias. Um jornalista-repórter que me atendeu, também muito simpático,  me colocou um crachá da imprensa   com  o nome do  jornal na minha  lapela. Eu estava de terno  e gravata. Tínhamos uma missão  importante  pela frente: fazer  uma cobertura  de um comício  do João Goulart, a realizar-se no Arsenal da Marinha a poucos dias  da tomado do poder  pelos militares.
     Confesso que apenas fiquei  observando  intrigado e surpreso  com o desenrolar  do evento. Os meus colegas,  jornalistas  tarimbados, não me pediram nada. Fui mais pra acompanhá-los e me familiarizar  com  a atividade  de  um repórter. Passei uma semana neste ritmo de vida  agitada  e apressada, que é o jornalismo. Porém, um problema havia: não tinha  condições de,  todo dia,  ir  à redação. Estava sem dinheiro  pra almoçar, fazer um lanche. Além disso,  só tinha um terno que usei  na viagem de Teresina  pro Rio.

        Um dia, no curtíssimo período do meu estágio,  o  repórter, do qual  falei acima,  vendo que não dispunha de dinheiro pra almoçar,  me convidou a fazer a refeição  com ele num restaurante que havia na  Rua  da Carioca, Centro. Logo desisti de continuar a frequentar  o jornal.
    Quando  viajei pro Rio,  trazia o endereço do secretário do deputado  Sousa Santos. A ele entreguei uma carta de meu  pai, dando  informações sobre mim e lhe pedindo  que  me  arranjasse uma colocação.O secretário do deputado federal, de nome Olavo,  era maranhense, um senhor de meia idade,  muito  inteligente,  escrevia bem, era quem cuidava dos discurso  do deputado  Sousa  Santos e de outras  tarefas  correlatas  ao seu cargo. Seu escritório ficava no belo  edifício  Central, do qual  já  falei  atrás.
   A primeira  vez que fui ao seu escritório, que ficava num dos andares  mais altos,  fui acompanhado do tio Zequinha, visto que ainda não sabia  andar bem na cidade. Tive boa impressão do Olavo, pois, a par de ser  inteligente, era  um bom  causer que aliava a essa qualidade  uma  ironia   às vezes  ácida. Fui ao seu escritório  muitas vezes e me dava bem  com ele,  principalmente  porque     possuía  cultura  literária,   um espírito crítico e muito franco, às vezes em demasia. Olavo  recebia  sempre  exemplares do jornal  Estado do Piauí, no qual  meu pai  colaborou por muito tempo, tanto com  artigos    assinados quanto  com artigos de fundo. Nesse jornal,  publiquei muitos artigos  sobre literatura, analisando  obras  ou discutindo  acerca  de  outras questões  de literatura.  

     Certa vez,   me confessou   algo  que não me agradou. Falara  que meu pai era um  bom jornalista mas, mas não  era bom  poeta. Ele se  referia a  alguns poemas, sobretudo, sonetos, que papai  estampava naquele jornal. Meu pai começou a escrever  poesia aos sessenta anos, um ano depois que  saí de Teresina. Segundo me relatou em carta, se tornara poeta  sessentão em face das “agruras da  vida.”  Quanto ao meus artigos,  o secretário do deputado julgava  que tinham  algum mérito. Olavo não era de elogiar muito ninguém.  Ao contrário, tinha uma língua afiada pra fofocas  literárias. ou seja,  pra falar  mal  de  grandes escritores. Creio, todavia,  que, em literatura,   era um espírito  mais conservador,  pois não  me citava nunca  escritores brasileiros  mais novos. (Continua)

* SOUSA, Cruz e. Vida obscura. In:___Poesias completas.( Broquéis, Faróis, Últimos sonetos). Introdução e Tasso da Silveira. Rio de Janeiro: Ediouro, p.161.s.d.

2 comentários:

  1. História de luta, hem, meu caro Cunha e Silva Filho? Bom saber desses detalhes.

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    1. Você , poeta de raça e de aitudes firmes, ao fazer um breve comentário, me estimula a prosseguir nesta maravilhosa aventura humano pelo caminho da escrita, tarefa espinhosa, seletiva, e que, apesar disso, deixa muitas rasuras dignas de um leitor e criador como Você. Um grande abraço do Cunha e Silva Filho

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