sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

Dois notáveis educadores piauienses




                                         Cunha  e Silva Filho


    Uma vez, em crônica,  falei  que  o período  inicial  do meu  curso   primário não me foi, ao contrário de tanta gente a quem  cumprimento  pela  felicidade  que desfrutou nesse período escolar,   bafejado  pela  alegria  plena,  por um ar  de eterna  felicidade. Me lembro de que   os primeiros  dois ou três anos,  mudei muito de escola,  estudei  em escolas  particulares sem renome,  em  aulas particulares  de reforço  à leitura,  (uma delas tinha  como   responsável a professora  Dona Eremita, velhota  durona,  exigente, me dava um certo medo). Ainda nas minhas perambulações,   estudei  na conhecida Escola    Demóstenes  Avelino, cujo dono era o  professor  Felismino Weser.
          Estudei ainda  num grupo escolar por um ano ou menos do que isso, que  ficava  em frente ao  Palácio de Karnak,  ou seja no espaço  que  estaria  incluído  o que posso liricamente  chamar “coração  de Teresina”, até que,  lá para  a terceira  série ou quarta,  meu  pai (e os  meus dois  irmãos mais velhos,  Sonia e Winston)  me levou   para  cursar  o final  do  primário  no Ginásio  ” Des.  Antonio Costa,” famosa e popular instituição  de ensino  que dominou  largo  período  do  ensino  privado  teresinense. Era dirigido  por dois  irmãos,  o  professor  Francisco Melo Magalhães e o  professor  Domício  Melo  Magalhães.
       No  instante em que ingressei  no Domício, nome  por que era  carinhosamente  denominado  aquele  ginásio,  posso  lhe afiançar,  leitor,   que houve em mim  uma transformação que bem  poderia  ser  de natureza epifânica. Perdi  o medo  de escola,  criei ânimo,  desabrochei  para  as delícias  da aprendizagem,   da leitura,  da escrita, da matemática. Só sei que, da terceira  série, pulei  para o   exame de admissão. O caminho  estava aberto e o futuro seria o limite.
      Sentia que a  estrada do saber se me abria para sempre,  sem  tempo  fixado. Era tudo deslumbramento,   emoções,  desejos  insopitáveis  de conhecimento, de superação,  de  vencer,   de aprender  pra valer e tudo  feito  do prazer  de aprender  por aprender,  sem  imposições dos pais,  de amigos,  de parentes.  Era uma   tomada de  posição minha e de mais ninguém.   
    Nesse período  de exuberância  infantil,  convivi na sala de aulas com os  irmãos  Magalhães. Com o professor Melo,  assim  o chamávamos,   aprendi  o conteúdo  de matemática; com o  professor  Domício,   de forma  lúdica,   aprendi  a  prestar  atenção  aos detalhes  de  quadros  que  trazia  para a sala e nos  ensinava a  fazer uma descrição: “O quadro que vamos   descrever  representa ...”.  Até hoje me soam   comovidamente   aquelas suas  palavras.
       Do professor   Domício,  aprendi  os rudimentos  da geografia  e história, que complementava com um  velho  livrinho  destinado ao  exame de admissão  e de outros  livros   da biblioteca de papai destinados  àquele  nível. 
       Quando enfrentei  as provas  do exame de admissão ao ginásio,   estava bem  e até recebi elogios  de um  professor  querido, o professor João Batista,  que,  no ginásio,  me lecionou    latim  e  canto  orfeônico. João Batista  era um  mestre  por vocação. Tinha  deixado a batina,  casou-se. Acredito que foi muito feliz. Foi  um grande incentivador meu e fazia  questão de me elogiar  pro  papai, que  obviamente   se orgulhava  de mim.
     Os irmãos  Magalhães  fizeram  história  na educação  piauiense.  Eram de Piracuruca. Formaram-se em direito em Teresina, mas preferiram  se dedicar  ao magistério. Conta-se que arrostaram muitas dificuldades   de possíveis  inimigos   invejosos,  porquanto  seu  Ginásio  era repleto de alunos.
      Porém, nada os impediu  de  dirigir  essa  grande  e popular    escola   particular. Nele lecionaram  grandes figuras  de professores  de alta competência. Posso mencionar alguns:  Lysandro  Tito de Oliveira (geografia)  Valdemar Sandes (língua  portuguesa),  Cunha e Silva (francês),  João Antonio (ciências)  Jose Eduardo (inglês),  Alcides Lebre (desenho)  Francisco  Viveiros (inglês),   João Batista (já citado),   professor  Tonhá, hipocorístico do  professor  amarantino Antônio Veríssimo de Castro, grande   estudioso  do vernáculo, filólogo,  professor de   português, professor, autor de obras sobre língua  portuguesa e dicionarista, na área de etimologia, Edmar  Vasconcelos de Sant’Ana (desenho), autor,  se não me engano, de um  único  romance de título estranhamente  simbólico,   Quando?...,  Depois da Quermesse! (impresso pela  editora Vozes,  Petrópolis,RJ, 1995), no qual, na capa, consta apenas  “Sant’Ana”  como autor.A obra de Sant'Ana recebeu  elogios  de  um professor  universitário  inglês, Bruce Corrie,  de  José Louzeiro e de  jornalista  Raúl Soeiro
      Outros  professores  de mérito  lecionaram  no  Ginásio  “ Des. Antonio Costa.”  Por  terem sido professores meus  por muito  pouco tempo,  os nomes  deles me escapam  à  memória. Umas  observação:  creio que,  pelo  recorte de  tempo  dessas memórias,  todos  os citados  ilustres  mestres, a quem  presto  nesta coluna  minha   gratidão  perene,  já  estejam, como nos versos  finais do poema  “Profundamente” de Manuel  Bandeira (1886-1968): “__Estão todos  dormindo/Estão todos deitados/Dormindo /Profundamente.(Libertinagem, 1930)
      Os irmãos Magalhães sofreram reveses, incompreensões, até   injustiças, seguramente  por se  tratar de um educandário   que  batia  recordes  de  número de alunado.O Ginásio  era até  injustamente  criticado,  por pessoas  desavisadas, por  expressão do tipo  “escola  PP,”  que  queria dizer: se o aluno  pagasse a mensalidade,  passaria  de ano.Nada mais  injusto  e  falso. Jamais  renegaria  o valor   moral  e  educativo  do Ginásio  “Des.  Antonio Costa.” 
       Todo  o período  em que  tive  a honra  de ser aluno desse  colégio foi  pontilhado  de contentamento,  de  sentimento   de   alegria,   de compartilhamento, de amizades  feitas, de entrosamento  entre mim  e o  colégio e de ter sido  considerado  um   aluno  respeitado   e querido  por meus  mestres e elos diretores, os irmãos  Magalhães. Razão tinha   Olavo Bilac de  atribuir  um   importância  elevada ao ginásio – base  de todos os futuros   cometimentos que, se me deram  tantas   canseiras, também  me  realizaram  como   estudioso.
   Nos dias de treinamento para  as  “paradas” de “Sete de Setembro” é que se via  a numerosidade de  estudantes   do colégio.  O educandário não fazia, entretanto,  parte dos grupo de  colégios  da chamada  elite   teresinense. Contudo,   isso não  diminui  a grandeza  que   esses irmãos significavam     para   o campo   árduo da educação piauiense.
    Muito aprendi com o  professor Mello e com o  professor  Domício, cujas  personalidades   opostas  pelo  temperamento, no entanto,   se  completavam  e davam, assim,  uma unidade de dupla de  docentes  que nasceram   para  a sublime arte de ensinar e divulgar   sabedoria  em companhia  do ilustre   corpo docente escolhido a dedo.
     No  já envelhecido  Certificado de Conclusão do Curso  Ginasial,   que o Ginásio “ Des.  Antonio Costa”  me conferiu no ano letivo de 1960, no alto  da página modelo  7  do diploma, logo abaixo  do  símbolo de nosso  pendão e do  órgão  responsável pela  validade  do documento, Ministério da Educação e Cultura,  impresso  em preto e branco  se  encontra o nome, em  caixa alta,    do colégio, assim como o do fundador, J. R. Magalhães Filho; o endereço  da instituição, Rua   Felix Pacheco, nº 1589; o “fone”, 2645; a cidade, Teresina ; o Estado, Piauí. E, para completar os dados burocráticos, esta emblemática  afirmação  de Platão (428/427  a.C.- 348/347 a. C.)  : “A educação é a mais  valiosa  herança que os pais  podem  deixar aos filhos.”

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