segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

Fragmentos: memórias e outros temas




                                           Cunha e Silva Filho


1.            Um  vez um escritor meu amigo  me falou do que  pretendia  escrever durante  a parte mais ativa de sua vida e não o conseguiu por  encontrar um  obstáculo: a postergação  dos  planos, das  realizações,  das ações pensadas e  concretizadas. Me  incluiria neste caso. Paulo Mendes Campos (1922-1991), em crônica   notável,  já dizia que os brasileiros somos   pessoas   que estamos  sempre adiando o que  devíamos  fazer. Contudo,  neste fragmento,  venho relatar um fato que  ocorreu  comigo e meu  irmão  Evandro,  falecido  ainda já moço  faz dois anos.  Antes, contudo,  me perdoem os gramáticos  tradicionais pela colocação  pronominal proclítica empregada por mim, de forma assistemática.
               De resto,  já no tempo do erudito e sábio  João Ribeiro (1860-1934). Essa questão gramatical foi  por ele mesmo   observada como própria da índole do  português  brasileiro. Mário de Andrade ( e outros  modernistas de 22 já utilizavam  essa  colocação até no gênero ensaístico, no que foi criticado  pelo critico Álvaro Lins (1912-1970). Hoje em dia,  seu  uso  oral entre pessoas  instruídas ou não é também  visto com frequência. Entre os gramáticos  e linguistas mais novos,   como é exemplo, entre outros,  Marcos Bagno ( linguista que está bombando  atualmente  com  as suas  renovações  pedagógicas no ensino  do português), o registro oral e escrito urbano (só urbano?) da próclise no início do enunciado é democraticamente  acolhido.
              Em 1990, o meu irmão Evandro Setúbal da  Cunha da Silva (1947-2012), mencionado  acima,   após o sepultamento de nosso pai,  me dirigiu uma cartinha   datilografada que, até hoje,  tenho comigo. É uma carta em que  fala de um artigo  meu  sobre o passamento de  papai escrito à mão, depois  publicado em jornal  de Teresina e finalmente  reproduzido no meu livro As ideias no tempo.Ela dá a medida  justa do  hábito de postergação de nós brasileiros.
             Veja o teor da carta, excluída  uma parte de natureza confidencial:

                                                                                                     Te, 18-02-90

Francisco,

            Em anexo,  envio-lhe exemplar do jornal onde saiu a sua oportuna crônica de saudade.
           Editada, el se me apresentou mais sensibilizante, talvez por estar  relacionada graficamente com o que fazia o nosso pai através dos jornais de Teresina. Tocou-me e a muitos que conheceram o ‘Velho  Cunha.’
          [.................................................................................................................................]
        Você, como ele,  sabe dizer bem o que os outros  gostariam de dizer. Eis o segredo da palavra escrita. Nada de laboratórios literários, a boa arte está na maneira  natural  de se manifestar.
        Por hoje é só. Ainda haveremos  de manter  substanciosas correspondências. Aguarde.
                  Do amº, irm. e admor.
                              
                                Evandro
           .
 
          A correspondência, como se vê, data de vinte e quatro anos  atrás!  O não cumprimento    da parte dele e da minha, que lhe seria  interlocutor,  provocou um fosso de ausência  de  trocas de ideias mútuas e de uma maior intimidade  entre nós, sem cujo cultivo faz perder  entre dois  seres, irmãos ou amigos,  a naturalidade tão cara, tão necessária  aos relacionamentos  afetivos e fraternos.
         Talvez muita coisa tivesse sido  diferente entre nós. Só posso lamentar o lapso  vazio no tempo que já se foi. Toda  escrita é uma possibilidade entre outras,  um ato  em potência, uma rasura.

2.        Os EUA  estão  revivendo  cenas  do tempo  do apartheid  racial  norte-americano e, por  infeliz  coincidência,   quando na Casa Branca se tem um  presidente negro. Obma,  prêmio Nobel da Paz,  deve ser  firme no que  diz respeito  a uma esforço  hercúleo de pacificar os ânimos   aguerridos  dos afro-americanos. Não pode ceder  um milímetro  a resistências    retrógradas de brancos    racistas. Longe estamos  dos saudosos  tempos  de Mandela,  de Martin Luther King e de outros  menos conhecidos  combatentes, incluindo  brancos,  que  lutaram contra   a monstruosidade  do  racismo   na América.

3.     Fato estranho   o de  a presidente Dilma,  em  pronunciamento  no exterior,    afirmar que não há corrupção  no país, ou eu estou  enganado? Seria o cúmulo ou, com  diziam  antigamente os ingleses: “That’s the pink limit!  O depoimento  de uma funcionária graduada da Petrobrás à jornalista  Glória Maria, transmitida ontem na TV Globo  dá o que  pensar, e muito!  Há muita coisa  suja ainda   debaixo do tapete  da estatal  brasileira  do  petróleo.
       Ora,  quando  uma funcionária dessa empresa  se diz ameaçada e com medo de alguma coisa,  é porque há algum malfeito  no reino da Dinamarca, desculpe-me, do  Brasil. A coisa está ficando  preta,sobretudo para  o   o governo federal , à frente o poderes executivo e  legislativo.
4       Muito antes da véspera do Natal  alguns  brasileiros   já dão sinal de que  estão em férias ,  entram em recesso, fecham as portas e vão  fruir as delícias   do far-niente. O brasileiro gosta muito de  ganhar dinheiro, mas alguns  gostam mais é mesmo   de sombra e água fresca.

5.      Ainda se fala aqui no Rio de janeiro na possibilidade de uma invasão  tipo tsunami que  engoleria   a cidade. Longe de nós esse pensamento,  que me faz  vir à mente o tsunami   da Indonésia, o qual , de resto,  atingiu mais 13 países, dizimou  mais de duzentas mil  pessoas, uma tragédia   universal que não  queremos   ver mais.

6.     Como se tem  editado  no país! Pipocaram  escritores  nos quatros cantos da Nação.  Haja críticos e resenhistas para acompanharem essa montanha de livros  impressos  e  de e-books.A minha pergunta é  saber quanto    deles sobreviverão  para a história  da literatura brasileira.

7.   Publicar no  Brasil,  em algumas editoras   famosas, com tantas exigências  técnicas de formatação do texto  e  do uso   de  normas  específicas  editoriais,  dá cansaço e vontade de desistência   do pretendente a escritor. Por vezes, o processo  é tão complicado que autores há  que recorrem  aos préstimos de um  especialista em preparação  de originais para, então,  e só assim, enviar o  orignal ao editor.   É por isso que  há tantos  livros  escritos  guardados na gaveta, o que é lamentável  porque  muitos  dessas obras   têm valor  e  ficarão  no limbo   do ineditismo. Por outro lado,  outros gêneros   de  livros de fácil absorção são vendidos  como água.

8.   Entrar numa livraria sem  comprar um livro  é um tormento  para  este colunista. Por isso,  muitas vezes,  passo ao largo  das livrarias a fim de não cair em tentação.

9.  Para tempos tão instáveis, não obstante o Natal, que se aproxima, ser para mim sempre  radiante   como comemoração cristã, seguido  das festas do Ano Novo,  é preciso  ter um  coração paciente e ao mesmo  tempo atento à realidade  brasílica pouco propicia  às efusões  dos bons sentimentos.

10.  Sempre  é bom   recordar,  algumas palavras que   se ajustam   à  ausência  da austeridade  do governo  brasileiro. Vou-me socorrer das  palavras de Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) sobre  o tema da “liberdade”(que deixo, abaixo, em  tradução  livre do colunista):

            “Em dias vindouros, que procuramos tornar realidade, antegozamos  um mundo alicerçado em quatro liberdades  essenciais.
             A primeira é a liberdade do discurso  e da expressão – em  todo o mundo.
             A segunda é a liberdade que cada pessoa  deve ter de adorar  Deus  à sua maneira – em todo o mundo.
             A terceira é a liberdade  de satisfazer   seus anseios, que,  traduzidos num sentido  universal,  significam  proporcionar condições econômicas  a cada nação a fim de que seus habitantes    desfrutem de uma vida saudável e  vivam em paz – em todo o mundo.
             A quarta liberdade é a de não sentir medo – que, traduzida em temos universais, significa uma redução, em escala mundial,   dos armamentos em tal  extensão e de  forma  tão perfeita  que  nenhuma nação  poderá ficar numa posição de cometer  um ato  de agressão física contra  qualquer  vizinho – em todo  o mundo.              

        Pelo visto,  qualquer leitor, em  qualquer país  democrático,  perceberá  a atualidade  do pensamento  daquele  grande estadista  americano.

Nota do Colunista: Aproveito a oportunidade para desejar ao  leitor um  Natal  com  muita paz,  saúde e harmonia e um Ano Novo de 2015  mais  feliz  e com mais paz  no mundo
Note of the columnist: I take this opportunity to wish a  Merry Xmas  full of  peace,  love,  health ,  harmony and the  happiest  2015  New Year with  a lot of peace  to my readers  all over the  world. 

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