terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Antes que termine o ano




                                        Cunha e Silva Filho


       Nesta mais  recente  crônica, não desejo empregar   os adjetivos  “derradeira” ou  “última.” O português, às vezes, nos constrange,  nos amedronta e nos põe em situação  de ambiguidade com tons   de superstição ao falarmos  de alguma  coisa   que fizemos por último.   Bom faz o inglês  que recorre à expressão “the latest”( “o mais  recente”)  ao invés de “the last”  (“o último”) e, assim,  evita o assombro,  o imprevisto, o não desejado,  o definitivo.
    “ Pois é”.  Esta expressão, que coloco aspeada, dá nome a um  livro  recentemente  publicado – não o li ainda -   pelo  grande  tradutor húngaro, naturalizado brasileiro, Paulo Rónai (1907-1992). O título do livro foi   tirado do nome de um sítio no estado do Rio de Janeiro,  onde o escritor, poliglota privilegiado, crítico literário, revisor,  ensaísta e  internacionalmente premiado tradutor, professor exímio  de latim  e francês no Colégio  Pedro II, autor didático, morou   nos últimos anos  de sua  brilhante  vida
    É com este  título  que imprimirei o tom  a  estas linhas  de fim de ano, de um ano  conturbado nos mais variados  sentidos,  notadamente no campo  político, na questão da violência combinada com  a  corrupção  do  petrolão  e seus tristes  e vergonhosos  desdobramentos.
    Pois é. O saldo do ano que nos  resta em dois dias, em muitos  setores,  não foi  nada alvissareiro e tudo perfeitamente  cronometrado  para  liberar   a caixa de Pandora logo após as  eleições, quando   o fato   estava  consumado   e a governante (ou será governanta? É melhor  perguntar ao  Marcos  Bagno que sabe de modernidades linguísiticas   e de oralidades  urbanas) certa e ancha  estava de que  tudo novamente  se achava   em suas mãos, inclusive a   segunda rodada  do cargo  máximo da  Nação. Da minha parte, assim o desejo, que aquela caixa, por exceção,  pelo menos  para  os próximos anos, liberte a esperança que, segundo  a mitologia grega,  no seu  fundo infelizmente  ficara.
  Pois é. Vieram , contra a vontade do povo, as notícias transmitidas  pela mídia  múltipla  e ubíqua: aumento  de gasolina,  de  impostos,   inflação  em  subida,   violência,   impunidades   pétreas. Ate cabe aqui o  “esquartejamento” – termo usado pela Venina da  Petrobrás. “Esquartejamento”, de resto,  me lembra a figura sacrificada de Tiradentes.    
 Falou-se também  dos  aumentos  dos  grupos dos altos  poderes, aumentos auto-concedidos e proclamados. E ainda os chefes das finanças nos vêm com  essa  conversa mole  de que  os gastos foram  grandes  e,  portanto,  há a conveniência  de  aumentar os juros,  os impostos,   os preços  de tudo, numa reação em cadeia.  Os americanos,  que tinham  investimentos  junto à Petrobrás,  se queixam de que, com  os rombos  gigantescos nas contas   de propinas e subornos  esquadrinhadas  pelos  órgãos  competentes do Estado, tiveram  prejuízos e,  por  esta razão,  vão processar  a Petrobrás  para  ressarci-los  com o peso  da lei. É bem possível  que o façam   porque americanos   nasceram  no epicentro  do capitalismo e não  abrirão mão  de seus  revenues.
        Pois é. O ano  de 2015 nem  acabou  e já contamos essa série de notícias desagradáveis. Porém,  não pense que tudo  foi   malfeito e mal administrado.  Por exemplo,  há muitas   repartições  federais,  órgãos do governo nos quais  a tecnologia  está avançada e  as coisas funcionam  bem. Por exemplo,  o serviço dos Correios. A Polícia Federal, entre outros.
         O  cerne dos males  do governo  federal é a politicagem,  os conluios,  os apadrinhamentos,   o “toma lá dá cá.”  O jogo  do poder  a qualquer preço,  inclusive com   a coexistência da  corrupção   ainda reinante  e endêmica.
       Se o governo  quiser realmente   receber o apoio do eleitor, das pessoas  esclarecidas, ele terá que  efetuar  uma mudança radical:  mostrar que vai    cortar  seus gastos,   quer pessoais, quer  do conjunto   das instituições   públicas. Quer dizer,  o governo federal  deve dar   o exemplo no seu próprio  seio, na escolha de homens  corretos, competentes nos setores cujas pastas irão ocupar, indivíduos  comprometidos  com  o bem do  povo e do país.
     O segundo mandato de D. Dilma  não poderia ter  um número gigantesco de ministérios que só darão  gastos  aos cofres  do Estado, ou  azo para  cabides de empregos  de  apadrinhados ou de natureza oligárquica.
    Não é justo que aumentos  astronômicos sejam   concedidos aos altos escalões federais  se o governo  não   der aumento   também  ao funcionalismo  em geral.  Tal  injustiça  cria indignação  no seio do  próprio funcionalismo   e prejudica   o desempenho  desejável  da parte  dele.   Ao conceder  aumentos a quem  já  ganha altos salários,  o governo   se torna  elitista  e se iguala  àquelas nações  discricionárias,  nas quais   há uma  ostensiva  divisão  de privilegiados e de explorados.  Diferenças entre salários tem que haver por razões de   responsabilidade de cargos  e de competências, mas não a ponto de   se tornarem  descabidas e  provocarem  a rebeldia   do povo contra os que detêm  o comando   do governo.
   Que, em  2015 D. Dilma  possa   repensar em profundidade  os grandes erros  cometidos  em seu governo e a passagem simbólica do ano e do novo   mandato  seja o momento  inadiável de  melhorar  o Brasil livrando-o   da feia imagem que seu governo  construiu aos olhos  do mundo  mais democrático, civilizado e justo.
    


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