sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Tempo de votar




                                            Cunha e Silva Filho


  Ontem, como estava previsto, houve  o último debate dos candidatos à Presidência  da República realizado  pela  TV Globo. O esquema do formato dos  debates conduzido  pelo  apresentador   e jornalista  William Bonner,   deixou  um pouco a desejar, pois ele se atrapalhou uma ou duas  vezes  na condução   da sequência  de blocos e na vez  correta  que  caberia a cada um dos  candidatos. As discussões  tiveram   momentos  de  acirramento   e de exaltação, dependendo   do tipo de  pergunta  temática   dos debatedores.
No geral,   foi  razoável   o desempenho dos presidenciáveis. Pode-se   até afirmar que  houve  instantes  de emoção  da parte   de alguns   candidatos.   Só lamentei  que  o tema  da “segurança pública”  não tivesse  tido mais  prioridade. Propostas   sobre ele   não vi  nenhuma   solidamente    convincente  e original, principalmente  tendo em vista  a realidade   da  violência   espantosa  nas cidades    e as perdas  humanas e materiais   que  têm  sido  por ela  produzidas
Resta, agora,  ao   eleitor  pesar  bem   o que ouviu sobre questões  que  de perto  interessam  ao bem-estar da sociedade  brasileiro,   do cidadão comum,  sobretudo. Os pobres e a classe média são  dois   pontos  sensíveis, espécies de termômetros    de como  vai   a vida dos brasileiros.  Os  muito ricos estão  já  protegidos   dos temporais  e borrascas  e, como no  Brasil,   são  poucos; nas emergências,  têm a seu favor   a força  do dinheiro e das benesses  com as  quais sempre foram   regiamente  aquinhoados. Costumo dizer que  os ricos são iguais,  tanto  vivendo no  interior, quanto nas metrópoles ou ainda no exterior. Eles falam a linguagem   das mordomias   e  do bem-bom, além de linguisticamente  muitas vezes   não necessitarem  de aprender idiomas  porque, neste caso,    basta  ter   dinheiro,  que todos os caminhos  levam  a Roma. Eles se entendem,  gostam de   festas e da vida  boa,  das viagens   e  dos cartões  de crédito  a perder de vista. Estão com frequência  em Nova Iorque ou na  Europa.  Vivem o paraíso  na  Terra.
Os mortais  assalariados, não,  têm que pensar  em que condições   podem  gastar  seu   dinheiro  limitado, em quanto montará   o total   dos remédios que  terá que   adquirir  mensalmente  nas farmácias, isso quando   estão  na “melhor  idade,”  expressão  um tanto  ambígua,  eufêmica  mas que  oculta   muitos sentidos, inclusive os desagradáveis e não aceitos.
Tempo de  votar e de voto  obrigatório, exceção feita para os que  já passam da idade   de exercer  sua  cidadania  com prazer  e gosto. Há destes  que não abrem mão  do voto. Querem  reafirmar  seu direito   de cidadão  que escolhe  seus  preferidos.
Uma  vez,  um  padre  dizendo a missa pela televisão e, vindo à baila  o direito de votar,   conclamou aos fiéis: “Votem no melhor.” Minha  esposa,  espirituosa  como  é,   respondeu-lhe: “E quem é o melhor?” Boa e  inteligente  pergunta, além de ter  um  fundo de uma passagem  bíblica.
A sabedoria  popular ensina que, em questões de   time de futebol,   de religião e de política, a  “lógica do voto”   não funciona e, ao contrário,  só dá confusão e  briga. Do mais sábio,  ao mais ignorante,   é a mesma coisa. Cada argumento  encontra um contra-argumento. O assunto  vira uma babel e ninguém se entende. O melhor  é  evitar   as discussões  que, por terem por si mesmas  um componente deletério de fanatismo,  não   chegarão  a uma   conclusão   amigável.
Filiar-se a uma partido  equivale,   de alguma  forma,  a  comungar  com  os mesmos    conceitos e visões. Não há como escapar  à contingência de que  visões diferentes de partidos  políticos, especialmente no  Brasil, onde  há partidos  para todos os gostos, resultam numa  barafunda   difícil  de ser entendida por um estrangeiro, ou mesmo  por nós mesmos, povo   parcamente   civilizado  em questões  de  política, seja por  não gostar de  política,  seja porque lhe falta   conhecimento  no assunto.
Dos meus  parcos conhecimentos de política, aprendi uma lição do comportamento  geral  do brasileiro   que, me perdoe o leitor se lhe serei  grosseiro,  injusto  mas não insincero no meu  juízo: o povão, ou até mesmo   parte da elite  intelectual,  não quer saber se o governo tem um  vergonhoso  recorde  de escândalos  financeiros. Ele,  o povo, rico, pobre, classe média baixa,  média-média, média alta,  pobre,  miserável reelege um Presidente por um ou outro motivo, desde que estejam   funcionando   regularmente as instituições  do Estado, desde que para alguns  o governo    seja visto  como regular,  bom ou mesmo  ótimo. Ou seja,  impera   aquilo  a que  inapelavelmente  associo, embora num plano  da ficcionalidade,   à rapsódia de “O herói sem nenhum caráter,”  o Macunaíma (1928),  de Mário de Andrade ((1893-1945). Somos um povo  separado  por um  individualismo  ambivalente,  imprevisível,  mutável,   que mescla  bondade  e  maldade,   sinceridade  e hipocrisia,   solidariedade e   desprezo. Somos, talvez,  “abarrocados,”  sofremos  do   defeito   do contraste  entre o bem e o mal. Não somos  unidos,  não brigamos  juntos,  somos  irremediavelmente   divididos como nação e como   indivíduos.

Não há também  como  negar  outros tipos de uso do voto:  votamos  em pessoas,  por interesse,  por necessidade,  por influência  de grupo,  por ideologias nem sempre autênticas, não faltando os ilusionismos   subliminares  da mídia,  dos marqueteiros,  dos eleitores   irresponsáveis,  alienados,  dos fanáticos e até dos  loucos que se passam  por  normais. Quem pensa que Pelé,  um jogador   genial  e  inteligente,    falou   besteira  quando há tempos  asseverou   que  o brasileiro  não sabe  votar, está errado, porquanto  o grande craque não    fora leviano. Apenas fora mal interpretado. Somos  carnavalizados, pândegos.   Levamos a vida na picardia, até  na destinação  de  nosso  voto.  Estamos longe da maioridade cultural.  "Ah, que preguiça!"

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