sexta-feira, 4 de abril de 2014

Fragmentos da infância




                                               Cunha e Silva Filho


1.  Uma criança de aproximadamente cinco anos  entra por alguma  razão numa casa velha de corredor assombrado. A criança  entra   correndo e sai  da mesma forma correndo quando  se choca com uma mulher de idade difusa. Com o choque, a criança derruba a mulher que estava no seu caminho. Como a  era pequena,  passou  praticamente por entre as pernas da mulher. A criança  ouve  palavras  grosseiras ou, como disse um gramático  tradicional,  intraduzíveis na linguagem educada.

2. Uma criança  estava lá fora de casa, não muito afastada. No momento estava tentando brincar com um jumento de rua. A criança  puxou-lhe o rabo uma vez, duas vezes; na terceira vez,  de repente leva um coice da alimária que a deixa  tonta,  quase caindo. A dor era aguda e de imediato  volta  pra casa  chorando  e  procurando  pela mãe.

3.Era  uma zona rural,  onde se podiam ver tratores,  jeeps e pessoas. A criança estava com o pai e dois  irmãos maiores. O lugar era bonito,  talvez uma fazenda para onde foram  colegas do pai da criança a passeio. A criança se aproxima de um carro  em movimento.  O carro, um jeep americano, de repente para. A criança de olho no carro. Ela está parada no descampado por onde passam  carros e pessoas. A criança avança em direção  ao carro. Ela, por ser pequena,  não pôde ser vista pelo  motorista, que resolveu dar uma marcha à  ré logo no momento em que a criança  desejou  subir por detrás do carro. Sua testa  levou  uma pancada forte  que a derrubou. Gritos de toda a parte   foram ouvidos. O motorista deu  uma freada, mas a criança já estava estendida no chão quente de um calor  tropical. Um homem a colocou  nos braços e a levou  para dentro da casa da fazenda. Colocaram-lhe  gelo na testa, que continuava doendo e ficara inchada. O pai da criança, os irmãos  ficaram  atônitos,  preocupados, sem saber o que fazer. Seus colegas   pediram calma. Não tinha sido  coisa  tão séria a ponto de ter que  leva o menino a um hospital.

4.  Estava tudo combinado.  Eles,  inclusive a criança,   iriam à Praça  no centro  de Teresina  pedir esmola só de brincadeira. Assim o fizeram. Postaram-se  num canto de uma esquina e começaram  a desempenhar  o papel de mendigos pedindo  moedas  por amor de Deus.

5. O pai da criança recebeu uma visita de um conhecido. O pai apresentou  os filhos  àquele senhor ainda  novo. “Este se chama fulano,  este beltrano,   este  sicrano e assim  sucessivamente. O visitante ficou  calado olhando para cada uma das crianças e começou a fazer  elogios : “Esta é bonita,  esta também, até chegar a vez  da criança (a mesma  da relação   desses fragmentos), esta é feia.” A  criança, sem  vacilar,  na velocidade de um  raio,  deu  uma  tapa na cara do visitante, que nunca,  supõe-se,  esperaria  tal reação.Constrangimento geral. O pai da criança não sabia onde meter a cara de tanta vergonha. O visitante, idem.

6. A criança, uma vez, saindo de casa,  toda bem vestida,  com uma  camisa  de  jérsei  usada pela primeira vez, encontrou  pela frente um colega  da vizinhança. Com ele,  conversou por alguns  instantes e, inopinadamente,  o  colega acertou-lhe um  tapa  na cara. O colega,  da mesma idade, era bem mais forte e mais alto. A criança nunca  soube por que  razão o colega  tinha feito aquilo. Fora um absurdo,  uma covardia, pensava a criança.

7.Estavam armando um  circo improvisado num  terreno baldio, perto da casa da criança. Eram todos colegas, um deles era primo da criança e mais velho uns  seis anos. Iam  brincar de circo naquele lugar, bem perto da casa do menino que  havia  batido na criança sem  motivo  algum.Estavam todos  alegres com o que estavam   preparando. O primo mais velho  procurava  fixar uma estaca alta no chão do  terreno. A criança  olhava   para o que  o primo  estava fazendo e,  num dado  momento,  a estaca  caiu e foi  atingir  a parte  posterior da cabeça da criança. Era uma estaca grossa  e pesada. A dor foi  lancinante e da cabeça da criança  começou a jorrar sangue, muito sangue. A criança  voltou correndo para a casa e a mãe,  aflita diante do sangue,  do jeito que estava, levou  o menino  a um médico  famoso  da cidade, que era, por sinal,  parente da família. O médico  cuidou dos ferimentos e prescreveu  um remédio  para compar na farmácia.

8. Naquele dia  abençoado,  o pai da criança   levou-a  uma procissão  no tempo em que  Nossa  Senhora de Fátima  visitava  Teresina. Usando terno completo, de cor clara,  o pai acompanhou  a procissão. Assistiu a uma missa,  orou, acendeu vela. Fizera uma promessa  para que   deixasse de   lado um comportamento   que só estava  prejudicando ele mesmo e a família, sobretudo a mãe da criança. Cumpriu a promessa e tudo  melhorou  dali a diante. Nunca  mais  desagradara à  mãe da criança e a vida em família    reinou em paz para sempre.

9.A criança  estava  passando  por uma  calçada onde havia,   em frente a uma  casa de classe média, senhoras sentadas (costume da época) conversando alegremente e observando  o que  se passava na rua. Vem a criança de volta  da redação  de um jornal  importante de Teresina  e, ao passar  pela calçada, ouvira de uma das senhoras: “Este menino parece um  príncipe, olha como   anda. Que elegância,  que porte!”

10. Foi terrível aquele dia em que  a mãe  da criança,  na cozinha,  preparava um alfinim quando, por descuido,  caiu-lhe por um  lado da fronte o tacho com  a  rapadura   derretida. Mamãe chorava em desespero e logo a levaram   ao pronto-socorro da Avenida  Frei  Serafim. Foi um alvoroço para a toda a família e  aquela foi  uma das vezes   que mais sofrera a criança   preocupada  com  a saúde da mãe.

12. Algumas vezes,  em tempo  muito quente,  a mãe da criança ia visitar uma  tia que morava pelos lados   dos fundos do Liceu Piauiense.  A criança costumava  voltar sem a roupa,  andando  como veio  ao mundo.

13. A mãe da  criança  tinha  dado à  luz um filho. O pai, bem moço ainda,  depois  da jornada  de trabalho, ia fazer algumas tarefas  domésticas. Por exemplo,  encher os potes d’água e outros afazeres  mais pesados, uma vez que  não  tinha um empregada para o  dia todo e que dormisse em casa. Só de dia  havia alguém  para  cuidar  do almoço da família e do preparo da galinha   guisada, de sabor  delicioso, sem tempero e com pirão para a mãe de resguardo. Todos os irmãos  queriam provar um pouco  da galinha e do pirão  

14.A criança sempre atenta ao que o pai  fazia  :  preparar aula   falando em voz alta. O pai, os livros, as leituras de jornais, a atividade  escrita  para os jornais durante  toda a vida..A ida às escolas, sempre  a pé de um lugar para outro, o dia todo, a noite também.



Nenhum comentário:

Postar um comentário