quarta-feira, 17 de abril de 2013

O Rio de Janeiro é uma enfermaria




Cunha e Silva Filho



Nada melhor do que sentir na carne a experiência do cotidiano das grandes cidades, desses lugares apinhadíssimos de gente de todas as idades lotando, ou melhor, superlotando as clínicas com pacientes de todos os planos. Não consigo entender por que os médicos não estão festejando a demanda vasta de pacientes, cada qual queixando-se de uma doença.

Depois, não me venham dizer que as pessoas não cuidam de sua saúde. A realidade está aí a olhos vistos nessa corrida pelas marcações de consultas médicas.

Assim que os neoliberais, a partir do governo Collor se implantaram no país, no qual o serviço médico engordou o bolso dos donos de planos de saúde e os próprios consultórios médicos, constatou-se uma modificação substancial na vida da população carioca e, por extensão, brasileira. Antes, o grosso da prestação do serviço médico ficava por conta do governo federal, com o antigo INAMPS, enquanto o governo estadual ficava com alguns hospitais e bem assim os municípios. Havia uma divisão de atribuições no setor médico.

Quem conheceu a realidade do antigo sistema, onde existia  pouca margem para a medicina privada, não deixa de sentir uma certa saudade de atendimento médico pelo INAMPS. Claro que havia alguns problemas de gestão no seu funcionamento, mas surgiu, com a privatização quase total da saúde brasileira, um tipo de problema igual ou pior do que havia na saúde pública federal. É aquele ligado a data de marcação de consultas médicas. Os planos de saúde, mesmo os de alguma projeção nacional, estão incorrendo nos mesmos defeitos que havia com a marcação de consulta através do velho sistema federal.

Um paciente com plano de saúde vai a uma clínica particular, levando sua identidade e sua carteira do plano e, quando a atendente vai marcar-lhe a consulta, informa ao cliente (neste caso, seria melhor chamar assim ao consumidor da medicina paga), ao portador do plano que só tem consulta para duas, três ou quatro semanas depois! Ora, até lá o doente até poderá ficar mais doente e mesmo morrer por falta de atendimento médico.Assim está funcionado a medicina mercantilizada no país. Por outro lado, é uma medicina excludente e discriminatória, já que o cliente que pode arcar com planos caros leva vantagem sobre os menos aquinhoados financeiramente. Quer dizer, existe hoje uma medicina privada do rico, do cliente de classe média e do cliente de baixa renda, os mais sacrificados e os menos protegidos, visto que os diversos tipos de planos são como as classificações de hotéis, que vão de zero estrela a cinco estrelas.

Esta realidade da saúde brasileira foi,  assim, criada de forma imposta e através de uma opção do modelo econômico que se institui no Brasil. Seria mais ou menos o que se pratica ainda nos EUA, onde há planos e planos. Quem tem mais dinheiro, tem mais condições de uma saúde melhor, com maiores recursos tecnológicos, aparelhamento de ponta que redundam num melhor diagnóstico de doenças .

Tal comportamento vigorante na saúde do brasileiro não deixa de ser perverso porque elitiza a medicina privada em detrimento da medicina para os pobres. Esta medicina somente accessível a quem tem mais posses ainda se torna mais segregacionista no uso da medicação, de vez que o preço dos remédios comprados é muito elevado, ainda que o governo federal hoje utilize do programa, aliás de ba utilidade pública,  da chamada “Farmácia Popular”, que vende remédios mais baratos, porém não dispõe de estoques de remédios para outros tipos de doenças que exigem medicação muito dispendiosa para o bolso do pobre e mesmo da classe média baixa.

A situação financeira das farmácias dá mostras de grande vitalidade e o país está repleto de farmácias por toda parte, algumas delas formam grandes redes localizadas tanto nas grandes cidade quanto no interior. É sinal inequívoco de que andam bem com lucros e riqueza.

Os últimos governos brasileiros, por assim dizer, sucatearam propositadamente a saúde pública em vários flancos, na péssima qualidade dos hospitais, carência de médicos, tantos clínicos gerais quanto especializados, dos postos de saúde, ou de outros tipos de atendimento médico ao grande público carente.Uma outra incongruência: os planos de saúde aumentam anualmente sem que os usuários tenham tido também reajuste em seus salários. Ora, isso leva muita gente a cancelar seu plano, o que equivale a se privar de um dever do Estado:  prover o cidadão com prestação de serviço de saúde de qualidade e com disponibilidade de atendimento eficiente.  Os donos de planos foram beneficiados com a transferência de um dever e obrigação do Estado que passou para as mãos dos capitalistas da medicina.

Um país sem proporcionar saúde gratuita e de qualidade ao povo está cometendo um desserviço à sociedade. Cumpre aos responsáveis pela saúde do Brasil repensar o modelo em vigor, procurando conciliar, em igualdade de condições, meios e recursos que venham atender tanto a quem opta pela medicina privada como para quem só depende da medicina pública. O Estado brasileiro tem condições financeiras para solucionar esta disparidade gritante entre as duas formas de medicina.Já se disse que, na educação, nosso país gasta mais do que nos Estados Unidos que têm uma população maior. O grande nó a desatar se encontra na forma de administrar os recursos canalizados para a saúde pública. Questão de gestão, de saber utilizar corretamente os recursos, combatendo a corrupção administrativa, os desvios, os superfaturamento, as licitações fraudulentas. É um problema que tem muito a ver com a probidade de uso do dinheiro público. Muitos dos defeitos da máquina do Estado estão conexionados com a ocupação de cargos públicos, i.e., com fatores de ordem moral e não apenas da tecnoburocracia.. Moralidade é a palavra de ordem que deve presidir a res publica em nosso país..

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