quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Tradução do poema "Antinous", de Fernando Pessoa( 1888-1935)

O poema “Antinous,” que compõe a produção em inglês de Fernando Pessoa, faz parte daquilo que o próprio poeta denominou ciclo “imperial” relacionado à Grécia, antecipando que este poema “é grego quanto ao sentimento” e romano quanto ao dado histórico. É um poema que pertence ao que Pessoa chamou de “círculo do fenômeno amoroso”. Essas observações que agora faço se fundamentam na “Nota Preliminar, ” a que, de resto já me referi quando das minhas traduções dos 35 sonnets em forma bilíngue. A “Nota Preliminar” vem a ser uma carta a Gaspar Simões, datada de 18 de novembro de 1910. Segundo Pessoa, “Antinous”, é um poema menos sintática e estilisticamente difícil do que os 35 sonnets.

Junto com o outro poema “ Epithalamium” forma um conjunto de poesia classificada pelo próprio autor como obscenas, sendo que, em “Epithalamium”, esta dimensão obscena para ele ainda é “mais direta e bestial.”

Confessa Pessoa que ele mesmo não sabe a razão que o levou a escrever esses poemas em inglês. Por outro lado, o poeta fornece uma explicação para a feitura desses poemas vivenciando a obscenidade através da tematização do amor em poemas que Pessoa definiu como “círculo do fenômeno amoroso.” Para ele, todo homem possui, em maior ou menor, grau esse instinto obsceno.

Pessoa ainda sustentava que para compor esse tipo de poema seria necessário empregar recursos expressionais “simples” a fim de comunicar o componente da lascívia de maneira intensa, uma vez que - reconhecia ele -, na construção de poemas desta natureza iria se deparar com o que chamou de “certos estorvos para alguns processos mentais superiores.” Daí ter que, segundo ele, por duas vezes de estruturá-los na forma e expressão em que se realizaram como fenômeno estético. Segundo o seus objetivos, os dois poemas acima mencionados constituiriam um livro de poesia em torno do já referido “círculo do fenômeno amoroso”, dos quais três, à época da “Nota Preliminar, se encontravam inéditos, i.e., “Prayer to a woman’s body” “Pan-Eros”e “Anteros”, todos estes , respectivamente, correspondentes ao que foi por ele designado “ciclo imperial” da Cristandade, do Império Moderno e do Quinto Império. A edição da Obra poética de Pessoa de que me utilizo não inclui esses poemas de que fariam parte o “pequeno livro” de que fala o autor de Mensagem.

No “Apêndice” à edição da Obra poética de Fernando Pessoa, volume único, com organização, Introdução e Notas de Maria Aliete Galhoz (Rio de Janeiro, RJ.: Editora Nova Aguilar S.A., 1977, seção “Notas e variante,” as explicações dos poemas aqui considerados nesta minha brevíssima introdução oferecem excelentes subsídios na sub-seção “Poemas Ingleses”, p. 809.) quanto às referências a estudos crítico, ensaios, artigos bibliografia ativa e passiva alusivas aos poemas em inglês e francês e às traduções de poetas de outras literaturas realizadas por Pessoa.

Entretanto, gostaria de sublinhar uma observação pertinente de Pessoa (cf. “Notas e variantes”, p. 810) com respeito à escrita dos poemas “Antinous” e “Epithalamium”, dirigida em carta a Cortes Rodrigues, em 4 de setembro de 1916: “vai sair Orfeu 3. É aí que, no fim do número, publico dois poemas ingleses meus, muito indecentes, e, portanto, impublicáveis em Inglaterra” (Grifos meus).

A tradução que lhe trago agora, leitor, dá prosseguimento ao meu projeto de traduzir pelo menos os poemas escritos em inglês de Fernando Pessoa. Desta vez, não apresentarei minha tradução em formato bilíngue, visto que quis poupar a paciência do leitor apresentando no mesmo espaço o poema “Antinous”, que é longo. Desse modo, remeto o leitor interessado à edição acima mencionada para eventual confrontação. Não pensei na ideia de, antes de empreender a minha tradução, dar uma olhadela nas traduções de eminentes tradutores que me precederam, como, por exemplo, Jorge de Senna, Adolfo Casais Monteiro, entre outros.

Fora do julgamento crítico de autores de língua portuguesa, a poesia pessoana escrita em inglês, foi bem recebida por grandes críticos portugueses, posto que, em Portugal, quando foram publicados os 35 sonnets, não tivessem tido nenhuma repercussão “publica”. No entanto, tendo Pessoa os enviado à Inglaterra, dois jornais ingleses, na parte destinada à crítica literária, fizeram-lhe elogios, chamando a atenção para o domínio perfeito dos versos em inglês, por eles chamados quase ‘isabelinos,’ “livresco”, e acentuando neles a “composição formal”.

Os jornais em referência foram The Times e Glasgow Herald, em número publicado com igual data, 19 de setembro de 1918 (Cf. “Notas e Variantes”, p. 810).

No tocante ainda à valorização de seu estro poético, The Concise Modern world literature, editado por Geoffrey Grigsno ( London: Hutchinson & Co., 1963), no verbete sobre Fernando Pessoa, embora reconhecendo-lhe o alto valor de sua poesia escrita em português, não estende este mesmo julgamento quanto aos poemas pessoanos escritos em inglês, considerando os poemas em português “ ...incomparavelmente superiores” (p. 352-353). Naturalmente que o meu julgamento não se coaduna com o autor do verbete por outros motivos que não vêm ao caso, por ora, examinar.

Quero deixar, contudo, bem claro ao leitor que esta tradução há pouco concluída, não se encontra, a meu juízo, num nível de excelência que gostaria de imprimir a um trabalho áspero e ao mesmo tempo desafiador como este. Seria mais conveniente e modesto de minha parte afirmar que, no que tange ao poema “Antinous”, esta é uma primeira tentativa de exprimir o pensamento poético pessoano dentro das possibilidades do que pude por ora concretizar. Não devo omitir que , durante o trabalho de dar equivalência , o mais possível, aproximada do pensamento do poeta, muitas vezes, parando num a estrofe traduzida, senti o prazer que, em alguns momentos a poesia e o pensamento de fundo filosófico de um poeta como Pessoa, deixam transparecer da emoção da leitura e de sua correspondente reflexão acerca dos sentimentos humanos elevado a um nível de universalidade, ainda que no desenvolvimento de um tema amoroso considerado ainda preconceituoso por algumas mentes.







ANTINOUS





LÁ FORA A CHUVA de Adriano a alma engelhava.



Morto jazia o mancebo

Em sua nudez completa, no baixo leito,

Ante os olhos de Adriano, cujo sofrimento algo terrível lhe era.



Do eclipse da morte, sombreada, esparzia-se a luz.

Inerte jazia o mancebo. Lembrava o dia uma noite.

La fora, caía a chuva qual um enfermo apavorado

Com a Natureza que lhe roubava a vida.

De sua memória o legado nada contentava

Pois morta e apagada a alegria do que tinha sido estava.



Ó mãos que outrora abraçado haviam de Adriano as mãos cálidas

Que, agora, pelo friagem, gélidas sentia!

Ó cabelos com fitas vigorosas amarradas antigamente!

Ó olhos de ousadia meio tímida!

Ó corpo nu macho-fêmeo

Que, aos olhos da humanidade, a um deus semelhava!

Ó lábios, cuja vermelha abertura outrora roçar sabiam

Da luxúria os lugares com uma vívida variedade de artifícios!



Ó hábeis dedos das indizíveis coisas!

Ó línguas que, tornadas uma só, o sangue incandesciam!

Ó domínio completo da concupiscência entronizada

Na interrupção líquida da consciência em fúria!

Inexistentes para sempre devem ser agora todas essas coisas.

Silenciosa é a chuva, e o Imperador,

Ao pé do leito, se desespera.. Fúria é sua dor.,

Pois os deuses consigo levam a vida que nos deu

E arruínam a beleza à qual da vida o sopro deram.

Ele chora e sabe que, cada época vindoura,

Além do futuro, o observa.

Num nível universal posiciona seu amor.

Milhares de olhos futuros a miséria pranteiam-lhe.



Morto está Antinous. Morto para sempre,

Para sempre extinto. De todos os amores geral lamentação.

A própria Vênus, que era o amor de Adônis,

Vendo-o, aquele que de novo viveu e, agora, novamente morto está,

Aquele que há pouco existia e, agora, de novo defunto está,

Leva-a do antigo pesar a comungar.



Apolo, agora, triste anda porque o ladrão

De seu alvo corpo para sempre gélido fica.

Naquele ponto do mamilo nenhum beijo cuidadoso

Cobrindo o lugar silencioso das batidas do coração restaura

Para lhe abrir os olhos outra vez e sentir-lhe

A presença nas veias seguras da fortaleza do Amor.

Nenhum calor seu do outro calor exige

Suas mãos, soltas agora, por detrás de sua cabeça,

Naquela postura que tudo concede exceto as mãos,

Sobre o corpo projetado suplicarão mãos.



Cai a chuva e ele jaz como alguém que

Todos os gestos de seu amor esqueceu

E, despertado, continua por seu apaixonado amor esperando

Com a Morte se foram todas as suas habilidades e galanterias.

Não pode este gelo humano calor algum mover.

De um fogo estas cinzas nenhuma chama queimar não podem.



Ó Adriano, o que farás agora de vossa gélida vida?

Que botas deveriam ser senhor dos homens e do poder?

Por sobre o teu império visível sua ausência

Dele a ausência se faz sentida qual um noite.

Não mais existirão manhãs de esperanças e de delícias.

Agora enviuvadas são tuas noites de amor e beijos.

Os dias de esperas noturnas te foram agora roubados.

Teus lábios agora o sentido perderam de tuas alegrias,

A não ser para nomear que a Morte é

Companheira da solidão, da tristeza e do medo.



Tuas mãos indefinidas tateiam, como se tivessem deixado escapar a alegria.

Tua cabeça ergue a fim de ouvires que a chuva acabou,

E dirige ao teu adorável mancebo o teu levantado olhar.

Sobre aquele leito memorial nu, jaz ele.

Descoberto por tua própria mão, ali permanece.

Afeito a saciar teu senso instável, lá estava ele.

Insaciável e saciando mais e importunando-o

Com renovadas insaciabilidades até que sangrassem os sentidos.



Jogos conheciam sua mão e sua boca para restabelecerem

Desejos que tua gasta espinha com dificuldades suportaria.

Às vezes, a ti afigurava que era tudo vazio

De percepção em cada novo esforço de chupada luxúria.

Em seguida, para novos volteios de galanterias convocaria eles

À carne de teus nervos e tu estremecerias

sobre tuas almofadas recaindo com a sensação de teu espírito silente





.”Belo foi meu amor, , melancólico, todavia.

Daquela arte senhor que o amor cativo por inteiro torna,

Por ser lentamente triste entre as paixões da lascívia.

O Nilo, agora, o abandonou, o eterno Nilo

Sob suas madeixas molhadas da Morte a palidez azul

Contra nossos anelos de sorrisos tristes agora guerra trava.”



Até mesmo quando, pelo pensamento, a luxúria, que não é mais

Do que um esquecimento que pelas mãos reacende-lhe,

Desperta-lhe os sentidos a carne viva

E tudo de novo parece o que antes fora.

O corpo inerte no leito recompõe-se, vive

E vem para junto dele, cada vez mais junto e

Em movimentos uma invisível mão com gestos amorosos

Direcionados a todas as aberturas do corpo, a concupiscência estimulando,

Sussurra carícias rápidas que, no entanto, apenas

Demoram o bastante para sangrar de seu derradeiro vigor as fibras.

Ó doces e cruéis fugitivos paritas!



Destarte, meio que se levanta com os olhos no amante postos,

O qual, agora, nada amar pode senão o que ninguém conhece.

Vagamente, meio enxergando o que na verdade observa,

Percorre com os lábios frios o corpo inteiro.

E, assim, sem se importar com a gelidez, são os lábios que, olha!,

Na frieza do corpo imóvel mal sente ele a presença da morte,

No entanto, parece que ambos mortos ou vivos estão

Pois é o amor ainda a presença e o alento,

Enfim, na indolência gélida dos lábios do outro se cansam seus lábios.



Ah, ali a respiração pesada faz-lhe recordar os lábios

Que, independente dos deuses, uma neblina dissipou,.

Entre ele e o mancebo. As pontas dos dedos

Ainda indolentemente examinando-lhe o corpo, aguardam

Alguma reação da carne a seu estímulo para despertar.

Porém, a pergunta deles sobre o amor entendida não é:

Morto é o deus cujo culto devesse ser beijado!



As mão se levanta para o lugar onde o céu deveria estar

E grita para que mudos os deuses sua dor ouçam

Que que vossas mansas faces à sua súplica atendam,

Ó forças decisórias! De seu reino ele abdicará.

Ressequido viverá nos calmos desertos.

Nos distantes e selvagens caminhos um mendigo ou escravo será,

Porém, devolvei aos seus braços novamente o caloroso mancebo!

Se o privardes dessa oportunidade, estareis sua morte decretando!



Retirai da terra toda a feminina delicadeza

E num túmulo ainda restará algum vestígio!

Porém, pelo suave e valioso Ganimedes, Júpiter

Substituiu Hebe por ele e decidiu encher

Sua taça em grande festejo, instilando

O amor mais propício que a falta do outro.

Dos abraços femininos dissolve-se a terra

Em pó. Ó pai dos deuses, poupai, contudo,

Este mancebo, seu alvo corpo e seus áureos cabelos!

Talvez se fosse por vosso grandioso Ganimedes

Vós o farias, mas só por razões de ciúmes

Dos braços de Adriano a sua beleza para ti arrebatastes.



Um gatinho ele era fazendo o jogo da volúpia,

Sem ninguém, ou com Adriano, às vezes, só.

E às vezes ambos, ora unidos, ora afastados.

Ora sem sensualidade, ora prolongando-a em altas doses;

Ora com os olhos nela não tão abertos, no entanto, de esguelha

Saltando em volta em meia expectativa libidinosa;

Ora levemente reprimindo-a, em seguida, em incontida fúria,

Ora brincando só por brincar, ora com vontade, ora deitando-se

Junto dele, olhando-o, ora espreitando

Qual maneira de segurá-lo em seu justo controle de libidinagem.



Assim passavam as horas nos gestos das entrelaçadas mãos

E com seus membros unidos as horas voam.

Ora folhas mortais seus braços eram., ora fitas de ferro;

Ora eram seus lábios xícaras, ora as coisas que sorvem;

Ora seus olhos ficavam muito unidos; ora eram apenas olhares;

Ora em ação se achavam em descontínuos delírios;

Ora eram suas destrezas uma pluma, ora finalmente um chicote.



Uma religião se lhes tornara o amor.

Oferecida aos deuses que aos homens surgem.

Por vezes, adornava-se ou se deixava vestir

Parcialmente, depois, em e nudez de estátuas,

Imitavam, na realidade, algum deus que semelhava ser,

Em virtude da qualidade apurada do mármore, novamente homens.

Ora era Vênus, branca dos mares surgindo;

Ora era Apolo, jovem e louro;

Ora era Júpiter sentado, saciado ele em julgamento simulado diante da

Presença de seu amante a seus pés.;

Ora era ele um rito representado por alguém vigiado

Em mistérios sempre renovados.



É ele agora alguma coisa que qualquer um pode ser.

Ó inflexível negação da coisa que existe!

Ó amorosidade qual a lua de áureos cabelos!

Em demasia frios! Excessivamente frios! e o amor como ele tão frio!

Vagueia sim o amor através da memória de seu amor,

Como num labirinto, em triste júbilo da loucura.

Muito frio! Demasiadamente frio! e o amor tão frio como ele!

Vagueia sim através da memória de seu amor,

Qual num labirinto, em triste júbilo da loucura,

Que ora lhe invoca o nome e lhe pede que venha,

E ora sorria para a sua vinda representada,

Que é o coração como rostos vespertinos –

Puras sombras brilhantes das originais formas.



De volta veio a chuva qual uma indefinida dor

E no ar pôs a sensação líquida.

De súbito, o Imperador supôs que,

Bem distante, avistava esta sala e tudo ao seu redor.

Viu, então, o leito, o mancebo e a sua própria imagem

Lançada contra o leito e ele para si mesmo se tornou

Uma presença mais evidente, dizendo

Estas não proferidas palavras, exceto para a angústia de sua alma:



“ Para vós uma estátua edificarei, que servirá como

Prova, aos tempos futuros,

De meu amor, da vossa beleza e da percepção

Da divindade que a beleza propicia,

Posto que a morte, com sutis mãos reveladoras, destrói

da vida o aparato e de nosso amor o império.

Entretanto, sua estátua nua, à qual realmente vós dais vida,

A posteridade, contra a sua vontade ou não,

Sem dúvida, há de herdar, como uma dádiva de um deus constrangido.



“Sim, uma estatua vossa hei de erigir e marcar

Sobre o pináculo de vosso ser,

Por seu sutil e obscuro crime, aquele Tempo

Que receará destruir-te a vida, ou desgastar-se

Com a ferocidade da guerra e da inveja da massa e da pedra.

Não pode ser isso o Destino! Os próprios deuses, que fazem

Alterar as coisas, se transformam, a própria mão

Do Destino que por força suplanta

Os deuses propriamente ditos com a escuridão, recuará

Em arruinar desta forma vossa estátua e minha dádiva.



“Esta imagem de nosso amor os tempos cimentará.

Surgirá ele límpido do passado e será

Eterno que nem uma vitória romana.

Em cada coração se enfurecerá o futuro

Por não ter sido contemporâneo de nosso amor.



“No entanto, oh, se tudo sucedesse diversamente

Seríeis a vermelha flor minha vida perfumando.

Sobre as fontes das minhas delícias as grinaldas,

Da minh’alma a viva chama dos altares!

Fosse tudo isso algo de que agora pudésseis

Sorrir por sob as pálpebras da morte zombeteiras.

Imaginar que eu pudesse assim um prélio travar

Entre mim e os deuses em favor do brilho de vossa perdida presença;

Nada disso houve, salvo o vazio do meu ser

E vosso sorriso despertando meio consolando

O que proíbe a dor de com a esperança sonhar .”



Destarte, encaminhava-se ele qual um amante em espera,

Com esta tênue dúvida, de lugar para lugar.

Sua esperança, ora era uma grande intenção condenando-lhe

O desejo do ser, ora sentia ele que cego estava

De certo modo à percepção de seu indefinido desejo.



Não sabemos o que sentimos quando o amor a morte encontra.

Não sabemos o que r quando o amor a morte frustra.

Ora da esperança duvidava ele, ora sua esperança duvidava;

Ora o que seu desejo sonhava, a razão do sonho na realidade dele escarnecia.

E congelava a avivam um exasperado vazio.

Por outro lado, avivam os deuses do amor o escuro brilho.



“Vossa morte uma sensualidade mais elevada me concedeu -

Uma fulminante licenciosidade para a eternidade vociferando.

No meu destino imperial minha confiança deposito

A fim de que os altos deuses, que imperador me fizeram,

De mais autêntica uma vida não me negarão

O desejo de que vós devíeis viver para sempre e permanecerdes

Uma fresca presença no mundo deles melhor,

Mais encantadora e no entanto não mais sedutora,

Coisas impossíveis não há que destruam nossos desejos,

Nem nossos corações aflijam com mudança, tempo e luta.



“Amor, amor, amor meu! Sois um deus completo.

Este pensamento meu que, creio eu, seja um desejo,

Não o é , mas uma visão a mim concedida

Pelos grandes deuses, os quais amam de verdade e podem dar

Aos corações mortais, sob a forma de desejos –

De desejos contendo limites ocultos –

Das coisas genuínas uma visão além de

Nossa vida emparedada, de nossa percepção aos sentidos presa.

Sim, o que vos desejo que sejais já o sois.

Agora. Já n solo Olímpico.

Caminhais e sois perfeito, sois, todavia, o que sois,

Porquanto de nada mais necessitais para vos assumirdes

Perfeito, de vez que a perfeição sois.



“Canta meu coração qual um pássaro matinal

Nos deuses chega até mim uma grande esperança

E a meu coração pede que animado seja pelo mais sutil sentimento

E que maldade estranha alguma vos atinja

Pois pensar assim de vós mortal seria.



“Meu amor, meu amor, meu deus-amor! Deixai-me beijar

Vosso frígidos lábios ferventes, imortais agora,

Saudando-vos ante a ventura do portal da Morte.



“Não houvesse ainda nenhum Olimpo para vós, meu amor

Dar-vos-ia um , no qual o único deus poderia domínio ter

E eu vosso único adorador alegremente seria.

Vosso exclusivo adorador por toda eternidade.

Que um divino universo suficiente fosse

Para o amor e para mim e o que para mim sois.

Ter-vos é algo feito da matéria dos deuses.



“Esta, contudo, é a verdade, e a minha própria arte: o deus

Que agora sois corpo é por mim criado.

Porque, se agora sois da carne realidade

Além da qual os homens envelhecem e a noite ainda desce,

É graças ao meu grandioso poder de criar o amor que vós deveis

Essa vida que infundistes em vossa memória

E a tornastes carnal. Não tivesse meu amor

Possuído um império feito de minha poderosa vontade legionária,

Não teríeis sido enviado à companhia dos deuses.



“Descobriu-vos meu amor no momento em que vos

Acháveis apenas no vosso próprio corpo e natural aparência.

Portanto, quando agora invoco vossa lembrança, Eu apenas ascendo

Ao topo da altaneira coluna da morte na forma que assumiu

E a ponho lá como uma visão de todos os amores.



“Ó amor, meu amado, com a minha firme amorosa vontade, juntai-vos

Ao Olimpo, e lá sede o último dos deuses, cujos cabelos da cor de mel

Revelem divinos olhos! Assim como fostes na terra, ainda

No céu vos mostrais em forma física e vos movimentais,

Daquela felicidade do lar, um prisioneiro

Junto aos deuses mais antigos, enquanto eu na terra farei, sim,

Uma estátua em louvor à vossa viva imortalidade.



Entretanto, vossa verdadeira estátua viva hei de construir.

Não será de pedra somente, porém daquela mesma tristeza

Ditada pela vontade do eterno amor.

Sois um lado dela, consoante vos veem os deuses

Agora, e o outro, aqui, fala da memória vossa.

O deus daqueles homens meu lamento tornar-se-á e porão

No parapeito vossa nua memória

A qual dá para os mares dos tempos pósteros.

Dirão alguns que todo nosso amor não foi senão nossos crimes;

Outros afiarão contra nosso nomes os punhais

De seu ódios feliz contra a beleza da beleza e farão

Com que nossos nomes uma base de apoio sejam com a qual apaguem

Com desprezo total os nomes de todos os nossos irmãos.

Contudo, nossa presença, como eterna Manhã,

Haverá sempre de retornar à hora da Beleza e cintilar

Do Leste do Amor, como luz em relicários engastando

Novos futuros deuses, com o fim de adornar o mundo carente.



“Tudo que agora sois somos eu e vós.

Contém sua unidade nossa dual presença

Naquela perfeição do corpo em que meu amor,

Por vos amar, se tornou e na verdade da vida

Fez-se deusa, em paz superior à luta

Dos tempos, e das muito superiores cambiantes paixões.



“Dado que, porém, os homens veem mais com os olhos do que com a alma,

Imóvel eu, na condição de pedra, confessarei esta grande dor;

Imóvel, desejosa de que anseiem os homens por vossa presença,

Este pesar conduzirei até ao mármore

Que, em meu coração, se incrusta qual uma estrela especial.

Destarte, mesmo na pedra, nosso amor

Há de tão grandioso permanecer

Em vossa nossa, como, destino dos deuses,

De nosso amor encarnado e desencarnado a essência,

O qual, à semelhança de uma trombeta pelos mares ressoando

E atravessando de continente a continente

Sua alegre tristeza, com o sabor da morte nosso amor há de exclamar

Por sobre infinidades e eternidades.



“E aqui, memória ou estátua, continuaremos,

Ainda unidos, de mãos dadas, sempre.

Simplesmente por sentir, não sentimos a mão um do outro.

Ainda me compreenderão os homens quando perceberem o vosso sentimento.

Poderiam todos os deuses passar pela enorme rotação dos

Tempos terrestres. Se, a não ser por vossa causa, e sendo vós um deles, foi

Que vós havíeis acompanhado a partida daqueles deuses.

Ainda assim, retornariam eles, porquanto, para despertarem, dormido haviam.



“Então, no fim dos dias, logo que Júpiter renascesse

E Ganimedes outra vez início desse a seus dias festivos,

Veria nossa dual alma da morte libertada

E re nascida para a alacridade, o medo, a dor –

Ou seja, tudo que no amor se encerra;

A vida – toda a beleza que realmente em lascívia se torna .

Do lídimo amor propriamente dito do amor com o encanto surpreso;

E, se nossa própria memória por inteiro se apagasse,

Mercê da raça de alguns deuses do final dos tempos, ressuscitar

Deveria nossa dual unidade.”

Prossegue a chuva. Todavia, noites ocm passos lentos caíam,

Fechando as pálpebras de cada sentido cansadas,

A consciência própria de si mesmo e da alma

Aumentou, tal qual uma paisagem em que pouco chovia, pouco mesmo.

Imóvel se encontrava o Imperador, tão imóvel que, agora,

Com que meio olvidara onde a gora estava, ou

De onde vinha aquele lamento que era ainda sal para seus lábios.

Fora tudo algo muito distante, um pergaminho

Fechou-se. Aquilo que sentia era igual a um círculo

Que a lua aureola assim que chora a noite.



Curvada estava sua cabeça sobre os braços, e eles, deitados,

Sobre o baixo leito repousavam, aos seus sentidos alheios.

Seus olhos cerrados se lhe figuravam abertos e vendo

O chão vazio, escuro, frio, triste e sem sentido.

Seu arfar doente era tudo o que sua percepção saber podia.

Da escuridão que descia o vento levantou-se

E caiu.Nos pátios inferiores uma voz sumiu;

O Imperador dormia.

Os deuses, agora, surgiram

E consigo alguma coisa levaram - não há como saber o que fosse –

Nos invisíveis braços do poder e do descanso.





                                                                                  (Trad. de Cunha e Silva Filho)





























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