segunda-feira, 13 de junho de 2011

Salvem os bombeiros do Rio de Janeiro

Cunha e Silva Filho



A lei existe para ser cumprida. Entretanto, em algumas situações-limite, ela tem que se ajustar a novas realidades, ou seja, é possível, sem a desrespeitar, considerar as contingências humanas não contempladas pela legislação e passíveis de serem atendidas. A lei é lei até que não venha ferir a dignidade humana ou praticar gritantes injustiças, quando, então, deixa de ter força de lei e se transforma em abuso ou arbítrio da máquina do Estado.
O que se viu recentemente da reação do governador Sérgio Cabral foi um ato de autoritarismo, lembrando resquícios de práticas de uso da força de um passado brasileiro que ninguém deseja ressuscitar. Ao chamar os bombeiros em greve de “vândalos e irresponsáveis”, o governador, mais uma vez, recordando uma greve de médicos também em seu governo, comportou-se sem equilíbrio e sem postura exigida de quem ocupa um cargo de alta responsabilidade quanto o de governador de Estado. Só em situações de extrema desordem urbana que venham a pôr em risco a ordem pública, seria lícito da parte do governador exercer a sua autoridade para reprimir desmandos.
Não foi esse o caso das manifestações pacíficas de nossos gloriosos bombeiros que resultaram na invasão do Quartel do Corpo de Bombeiros no Centro do Rio de Janeiro. Entraram, sim, no pátio do quartel, mas não para depredar ou cometer desatinos contra o seu comandante nem contra a integridade física dessa instituição militar.
Ali ninguém era fora-da-lei, pois inclusive a manifestação contou com o apoio moral de familiares dos bombeiros. Ali havia crianças acompanhando o pai, bombeiro. Os manifestantes só queriam uma coisa: reclamar dos aviltantes salários que recebem, o mais baixo de todo o país, mais clamorosos sobretudo para o nível de importância do estado do Rio de Janeiro. O pleito deles se fundamentou numa lei, que não é a dos legisladores, mas aquela proveniente da justiça natural dos homens, lei que não está no papel nem na Constituição, porém se encontra no espírito dos homens de bem.
Há muito tempo não lia um documento tão comovente e ao mesmo tempo tão justo quanto a “Carta aberta à população do Rio de Janeiro” que li na Internet repassada a mim por amigos. Essa Carta não é só um texto reivindicatório das condições de vida precária dos bombeiros do Rio de Janeiro, mas também serviria a outras categorias ( a dos professores e de outras categorias mais modestas ) do funcionalismo do Rio de Janeiro. É muito mais, já que põe a nu a dura realidade dos bombeiros do Rio, a qual, por extensão, se associa a outros fatores negativos do funcionamento da administração pública do setor estadual.
O governador do Rio de Janeiro agiu intempestivamente quando ordenou que o BOPE entrasse em confronto com os bombeiros; aquele armado até os dentes, estes contando apenas com o prestígio que desfrutam junto à população do Rio de Janeiro. Contra os manifestantes não se pouparam bombas de gás lacrimogêneo, até tiros foram disparados, felizmente sem vítimas fatais. Encurralados, inermes, os bombeiros receberam ordem de prisão.
Esse erro crasso do governador vai lhe custar muito caro politicamente. O autoritarismo demonstrado na greve prova que Sérgio Cabral está longe de reunir as qualidades inerentes a um político e sobretudo a um governador: paciência, tato, linguagem adequada exigida pela gravidade do momento e sobretudo sensibilidade, diplomacia, comedimento e postura de quem serve a um mandato público em sociedade democrática e civilizada.
Ele foi, por infelicidade, mexer justamente com talvez a única corporação militar que ainda é respeitada e admirada pelo cidadão brasileiro.
O estado do Rio de Janeiro, bem como os demais da Federação, precisa de ter em vista que o mandato de governador é conseguido pelo voto popular. Qualquer ação falha, por incompetência, ou por atitudes discricionárias, põe em risco a carreira de um político que, por ser ainda jovem, ambiciona outras conquistas.
Ao governador cabe revestir-se de ampla visão do conjunto da estrutura do funcionalismo. Deve, portanto, saber localizar onde há grandes injustiças em setores que, como o dos heroicos bombeiros do Rio de Janeiro, clamam por dignidade no trabalho e na vida. Como é possível que bombeiros de patentes mais baixas estejam percebendo o salário exibido nos contracheques para as telas de TV?! Chega a ser desumana tal remuneração que o governo estadual paga aos bombeiros que, hoje, segundo se viu numa reportagem pela TV, estão com as geladeiras vazias de alimentos para seus filhos e para si mesmos.
Pergunta-se; como esses homens tão úteis à vida das grandes e pequenas cidades podem ter ânimo e força para a sua nobre tarefa sem um salário que lhes proporcione uma vida decente e sadia?
A sociedade brasileira precisa entender que diferenças gritantes de salários têm sido razões de sobra para que categorias como as do bombeiros, professores e funcionários de níveis mais baixos permaneçam há longos anos em confronto com as autoridades dos governos estaduais.
É tempo ainda oportuno que os pleitos dos bombeiros e de outras categorias sejam atendidos. Ninguém está pedindo reajustes absurdos de categorias privilegiadas do governo estadual, mas salários com os quais se possa levar uma vida honrada e feliz. É indecente que um funcionário público não possa sobreviver com seus rendimentos até o final do mês, fato que está ocorrendo com os bombeiros e outras categorias.
Repense, por conseguinte, o governador do Rio sobre os seus atos e devolva ao povo fluminense, livres de punições, os admiráveis salvadores de vidas, nossos bombeiros a fim de que, retornando aos quartéis, possam, da mesma forma que sempre o fizeram há mais de cem anos, continuar prestando inestimáveis serviços à coletividade. Que a sirene de seus carros vermelhos, tão nossa conhecida, continue soando e ressoando pelos quatro cantos das cidades sempre que alguém, desesperado, necessite urgentemente de seus préstimos – que é esse árduo e intrépido trabalho, muitas vezes arriscando a própria vida, de debelar incêndios, salvar pessoas e patrimônios públicos e privados. Glória, pois, aos bombeiros do Brasil e, em particular, aos sofridos bombeiros da velha cidade de São Sebastião!

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