sábado, 17 de julho de 2010

Eleições e palmadas

Cunha e Silva Filho

Fica difícil entender este país. Já não consigo enxergar nada à minha frente, entender ainda pior. Como entender se a mistura dispar e camaleônica já se instalou, confundindo todos qual uma conhecida comédia shakespeariana, ou seria beckettiana ? Não sei mais de nada, tudo se complicou. Perdi minha referência. Estou à deriva. Procuro e não encontro. Bato e a porta não se abre. O mundo às avessas. Meu Deus, o que está acontecendo com o país e o mundo, pois o mundo está no país dentro daquele velho conceito retórico de parte e todo – do conhecido tropo, a metonímia - tão bem explorado numa página de Vieira ( 1608-1697)
Os candidatos à eleição presidencial, depois de tanto barulho, escolhem seus vices, figuras que nem sabíamos dispostas pelo menos para exercerem mandatos executivos, uma vez que pensávamos só fariam carreira na Câmara ou no Congresso. Para nós, eleitores compulsórios, ainda que uma delas, o Presidente do PMDB, Michel Temer, por força de sua função, constantemente apareça na mídia, não o víamos como provável candidato à vice-presidência da República. Que razões estão escondendo, sobretudo o PT, e o PSDB, para que fossem os vices os que aí estão já selecionados? Que pobreza de bons candidatos está exibindo a política nacional!
Um velho jornalista do JB, volte e meia, deplora a penúria de grandes políticos de que o país necessita tanto, principalmente para os tempos que correm, tempos enganadores que colocaram a esperteza e o oportunismo(leia-se: privilégios do “melhor emprego do mundo”) como a meta principal da atuação dos representantes do povo.Quais as grandes e ilustres figuras do Parlamento brasileiro? São poucas, pouquíssimas. A política, em grande parte do mundo, não está dando bom exemplo nem está sendo conduzida pelo que há de melhor dos membros da sociedade. É triste, infelizmente, constatar isso. Será que está definitivamente enterrada a era dos grandes e respeitados líderes da História? Peço a Deus que não.
Quanto às siglas partidárias, além de numerosas e que só concorrem para aumentar a confusão e a divisão, numa fragmentação que causa embaraços na cabeça do eleitor, nos assusta o fato de que se reuniram recentemente, nesta antecipação de campanha presidencial, numa espécie de confraternização social entre mulheres da alta sociedade, antigos contestadores da burguesia capitalista tupiniquim, a elite econômica da classe das mulheres, à frente das quais a dama global servindo de anfitriã, viúva do megaempresário Roberto Marinho, uma velha professora de formação e orientação marxista e a principal convidada, a candidata do Lula, Dilma Rousseff, pertencente a um partido que se autoproclama da esquerda, num coro que se estende além-fronteiras. Como é do conhecimento geral da nação, Dilma participou ativamente da luta contra a ditadura militar. Finalmente, estiveram também presentes no encontro festivo outras mulheres do universo brasileiro artístico e social. Num caldeirão desses não há como proclamar, alto e bom som, que a polarização direita-esquerda tornou-se uma balela, um faz-de-conta, um antagonismo poroso, contraditório e hipócrita que se dilui diante do desdobramento do fenômeno da globalização e que, por outro lado, constituirá, sem dúvida, um campo fértil para acalorados e polêmicos estudos sociológicos e antropológicos em virtude do intrincado cipoal de tendências multifacetadas e difusas no qual desaguou o teatro político brasileiro e, por tabela, o mundial.
Ainda no contexto de perplexidades e descaminhos, acaba de ser majoritariamente votada pelos deputados federais uma lei que prevê sanções para pais que dão palmadas nos filhos. Ora bolas! Os deputados não têm mais o que fazer do que discutirem uma questão que só diz respeito à privacidade da família? Daqui a pouco haverá leis que regulamentarão a frequência da atividade sexual entre os casais. Que é isso? Por que não se preocupam com as reformas do confiscatório imposto de renda e com os altíssimos planos de saúde que estão sufocando as despesas das famílias de classe média? Aliás, são inúmeras as questões urgentes e de ampla relevância social que não se tornam objeto de debates pelo poder legislativo. Esta lei da palmada é irrelevante porque a legislação brasileira já dispõe de sanções penais para pais que maltratam os filhos. Um castigo leve e dado com bom senso corrige e educa as crianças sem maiores traumas ou consequências mais graves. Só pais despreparados e desequilibrados maltratarão seus filhos. A lei me parece redundante e de aplicação até impossível, dado que seria impraticável e descabido fiscalizar as famílias em situações de flagrante privacidade. A lei antes provoca mais conflitos entre pais e filhos do que outra coisa. Será mais uma lei que, pela sua natureza, se tornará, enquanto em vigor, uma verdadeira petição de princípio.

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