segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Obama e o sonho americano

Obama e o sonho americano


Cunha e Silva Filho



Recordo-me da posse de Barack Obama, do seu discurso, da sua desajeitada maneira de fazer o juramento (teve que repeti-lo no dia seguinte a fm de completá-lo corretamente), repetindo, perante a Bíblia Sagrada, as frases do encarregado da cerimônia. Confesso que não gostei muito do discurso. Não me causou impacto. Me soou até fraco, incompleto diante da importância do evento. O que, todavia, me prendeu mais a atenção foram os closes das câmeras em direção à população, especialmente quanto focava a grande presença de negros que afluíram para o evento.Vi que os negros americanos, nos seus semblantes, pareciam indicar uma nova era de esperança e de saudável expectativa.
A impressão que tinha era que ali só havia a sofrida etnia negra, afoita, orgulhosa de ter, pela primeira vez na história norte-americana, um presidente mulato, ou seja, com cor e traços físicos aproximados dos negros, um half-bred, a me lembrar daquele vaticinado romance, O Presidente negro (1926) que ainda não li, de Monteiro Lobato (1882-1948) no qual os EUA conheceriam um presidente negro.
Do discurso me ficaram alguns fragmentos indicadores de mudanças efetivas na estrutura social-econômica e na geopolítica do país. Dei-lhe, pois, um voto de relativa confiança. Quanto à desativação da prisão de Guantánamo, em Cuba, essa promessa me agradou sobremodo, e bem assim me contentou saber que as tropas americanas logo deixariam as regiões conflagradas, pelo menos do Iraque, para não falar no Afeganistão, no Paquistão e nos cruentos ataques contra os chamados terroristas da Al Qaeda. Essas regiões ainda se encontram solidamente militarizadas, dando gastos colossais ao bolso do povo americano. Com o passar dos meses, eu não mais via qualquer expectativa de promessas cumpridas. Antes o que os meus olhos viam era uma espécie de continuidade de estratégias voltadas para a política externa feitas pelo próprio governo Obama, o que me deixou perplexo quando soube que o prêmio Nobel da Paz havia sido concedido para o presidente ianque.
A realidade americana, com todos os seus defeitos e qualidades, se manteve, inalterável, particularmente na esfera da política externa, segundo já frisamos. Os combates, no Iraque, no Afeganistão, no Paquistão, prosseguiram e prosseguem. Guantánamo continua ilesa e fagueira.Como fica o prêmio Nobel da Paz nas mãos de Obama? Estamos no reino da imprevisibilidade.
Obama, nas pesquisas de opinião, sofreu elevada queda (desculpe-me pelo oxímoro) de popularidade. No entanto, o novo presidente abriu o debate sobre a crucial questão da saúde pública americana. Nesse ponto, Obama desejou ser destemido e peitar, pelo menos, retoricamente, os grandes conglomerados dos planos de saúde privados. Mas, para isso, não dependia só dele a aprovação de milionários investimentos a serem injetados na saúde com o objetivo de romper com os grandes tubarões da medicina privada e muitas vezes mercantilista. Será que Obama vai sair vitorioso dessa empreitada? Acho difícil.
Lendo uma entrevista concedida pelo romancista americano Russell Banks a Gilles Anquetil e François Armanet, publicada no Le Nouvel Observateur, e republicada em tradução portuguesa de Clara Allain, na Folha de São Paulo (24/01/2010), sob o titulo “Meio Obama”, de resto, uma magistral análise desenvolvida por aquele ficcionista americano, percebo, com mais evidência, certos pontos obscuros que me rondavam a cabeça no que tange às reais possibilidades e poderes que um presidente dos EUA pode ter. Não são poucos, mas também não são muitos.
O nó górdio a ser desatado é algo quase intransponível, dado que, rigorosamente, entre os dois partidos americanos, o Republicano e o Democrata, não há tantas diferenças de metas e visões pragmáticas. Em resumo, tudo depende, para substanciais alterações, de entendimentos decisivos entre conservadores e progressistas. Administrar essas possibilidades de acertos e compromisso conseguidos na Câmara e no Senado estadunidenses, é tarefa das mais espinhosas, a ponto de o mencionado entrevistado afirmar que, nos EUA, não há “democracia” na real acepção prática do termo. Nas palavras de Russell Banks, que, aliás, foi um dos primeiros a dar apoio à candidatura de Obama, conforme assinalam os entrevistadores, acentuo o seguinte trecho digno de atenção dos historiadores e analistas políticos: “”Somos uma República que se esforça há séculos para tornar-se uma plutocracia, e que está a caminho de consegui-lo.”
A se ver por aí, deduzo que Obama, se tem a boa intenção de resolver as graves questões no plano social, melhorando efetivamente as condições de vida da camada pobre dos americanos sem teto, alimento, emprego, saúde e outros benefícios sociais minimamente condizentes com uma sociedade reconhecida como o coração do capitalismo mundial, não dispõe mesmo do poderes constitucionais para solucionar boa parte dessas demandas do segmento sacrificado da população do país.
O sentido geral da análise de Russell Banks se resumiria no seguinte: Obama vai conseguir pouca coisa que possa diferenciá-lo do seu antecessor ou antecessores imediatos. Não vai fazer um mandato do tipo realizado por Franklin Delano Roosevelt ( 1882-1945)). Não vai mudar a estrutura do sistema econômico-financeiro americano vigente, fortemente blindado contra rupturas radicais em direção a mudanças progressistas ou de esquerda. Os banqueiros de Wall Street continuarão mandando. O conservadorismo não vai ceder muito no terreno social. Os pobres que se virem como puderem. A riqueza do americano se manterá imperialmente.
Afinal, entre, nós, Obama se diferencia de Bush filho nos seguintes aspectos: retórica, cultura, lucidez e ausência de rancor tresloucado de belicosidade e de paranóia. Isso já lhe confere uma inequívoca superioridade na alta função de presidente. Obama, ademais, tem sensibilidade, e é homem lido, sabe usar da palavra, sabe emocionar o povo com sinceridade. Tem boa intenção. Só lhe falece uma arma indispensável:: a de poder enfrentar as hordas da força do capitalismo e da riqueza de sua minoria, refestelada no alto consumo, no fetichismo do dólar pensado em cifras bilionárias e na certeza de que seus banqueiros e seus corretores de ações serão – sempre - regiamente recompensados com polpudos dividendos em suas contas faraônicas.
Enquanto isso, o simpático Obama vai tocando o governo dentro das suas relativas possibilidades a fim de não parecer tanto quanto seus predecessores, principalmente com a herança maldita do Bush filho nas façanhas da intervenção e da belicosidade ao arrepio da lei dos homens. Obama tem toda a pinta da esquerda, inclusive é canhoto. Entretanto, não lhe basta ter o physique du rôle para as mudanças concretas na vida dos norte-americanos desafortunados. É preciso ter a coragem dos grandes lideres, incluindo os riscos.

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